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EUA x URSS teve tensão nuclear? O que se sabe sobre a “quase 3ª Guerra”

O conflito geopolítico entre EUA e URSS, no período conhecido como Guerra Fria, resultou em uma tensão nuclear entre as duas nações, que disputavam ainda modelos ideológicos e poderio militar.

Entre 1947 e 1991, vários episódios marcaram esse ciclo histórico. Embora os dois países não tenham se enfrentado diretamente, ambos apoiaram conflitos armados em regiões pelo mundo, como o Vietnã e a Coreia.

Além disso, durante a Guerra Fria, foram registrados eventos como a crise dos mísseis em Cuba e a instalação de mísseis americanos na Turquia. A espionagem também se desenvolveu nesse período, com os serviços de inteligência estadunidense (CIA) e soviética (KGB).

O UOL conversou com dois historiadores para explicar eventos desse período histórico, Rafael R. Ioris, professor do Departamento de História da Universidade de Denver, e Sidnei José Munhoz, professor no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Guerra fria: entenda o contexto polêmico do conflito entre EUA e URSS

As causas da Guerra Fria são alvo de um debate complexo, de acordo com o professor Rafael Ioris. O conflito surgiu após a parceria entre os EUA e a URSS contra o nazismo, na Segunda Guerra Mundial.

“Não era uma parceria sem problemas e existia muita desconfiança recíproca. Então já existiam questões estruturais que se revelaram na Guerra Fria. E rapidamente a colaboração entre (o então presidente dos EUA) Roosevelt e (o ditador soviético) Stalin se deteriora. Um fator importante é que Roosevelt morre e Truman assume nos EUA”, pontua.

Outra questão relevante para compreender esse contexto foi o número de cidadãos da União Soviética que morreu na Segunda Guerra. A URSS perdeu o maior número de cidadãos de um país em todo o conflito, mais de 25 milhões de pessoas.

Além do mais, Stalin também definiu que não abriria mão do controle de países do leste europeu, onde havia tropas soviéticas desde a 2ª Guerra. Na visão do presidente Truman, esse era um sinal de expansionismo soviético.

No entanto, Ioris diz que os historiadores divergem sobre se, de fato, a postura de Stalin era uma ameaça maior ou não. Uma vertente de autores norte-americanos sustenta que o culpado seria Stalin, porque tinha invadido o Leste Europeu e não abriria mão disso.

“E tem uma outra geração de historiadores que diz que quem se excedeu no medo foram os EUA, que não entenderam que Stalin deixou claro que não ia abrir mão dos países que ele tinha ocupado no Leste Europeu, mas tendo aquilo, ele iria parar por ali”, explica.

Como resultado, na Guerra Fria, estabeleceu-se uma “lógica de profunda suspeição recíproca”. Nessa perspectiva, a ação de um é sempre vista como ameaça ao outro e cria-se uma espiral de desconfiança, conforme explica o professor.

Conheça 4 pontos sobre a tensão nuclear e política da Guerra Fria

Dentre os principais pontos de tensão entre as duas potências mundiais que ajudam a entender esse período histórico, estão a conhecida crise dos mísseis em Cuba. Também explicamos a seguir eventos que geraram controvérsia nesse período histórico, como a condenação do casal Rosenberg.

Tecnologia para espionagem

Quando se pensa em espionagem, muita gente pode se lembrar, à primeira vista, dos personagens de agentes infiltrados em filmes. No entanto, a espionagem que ocorreu nesse período também envolvia o uso de tecnologias para detectar informações sobre as estratégias usadas em cada um dos lados do conflito.

O professor Sidnei José Munhoz explica que uma dessas tecnologias foi um avião que ficou conhecido como “U2”, que conseguia se tornar praticamente invisível aos radares e era utilizado para fotografar áreas soviéticas.

“Em primeiro de maio de 1960, os soviéticos derrubam um avião espião desses e acusam os EUA. A primeira reação dos EUA foi negar. A partir daí, os soviéticos apresentam o piloto preso e vivo, confessando que estava a espionar”, diz o professor da UFSC.

Crise dos mísseis em Cuba

Um dos aviões que eram usados para espionagem inclusive teve um papel importante em um episódio que ficou conhecido como a crise dos mísseis em Cuba. A aproximação do país latino com a União Soviética se deu após a revolução cubana, liderada por Fidel Castro, que teve um viés nacionalista.

Além do mais, a relação entre Cuba e EUA se deteriora, à medida em que ocorre a estatização de propriedades de empresas dos EUA e os embargos americanos à ilha. Segundo Ioris, a URSS propôs um pacote de ajudas econômicas com condições mais favoráveis à Cuba do que o governo norte-americano estava disposto a fazer.

“Já em 1962, há a possibilidade de colocar mísseis em Cuba, em tese, para defender Cuba de uma invasão americana. Lembremos que, em abril de 1961, os EUA apoiaram uma invasão na Baía dos Porcos”, diz o professor da Universidade de Denver. A invasão da Baía dos Porcos foi uma tentativa frustrada para retirar Fidel Castro do poder.

No entanto, a construção de silos para receber os mísseis foi detectada por um dos aviões norte-americanos que monitoravam a ilha. O então presidente dos EUA, John F. Kennedy, reagiu considerando a situação como inaceitável. O governo americano criou um bloqueio para os barcos da URSS que trariam materiais para construção dos mísseis.

“Em cima disso, dessa experiência que rapidamente poderia ter levado a um ataque nuclear recíproco, eles instalam a criação do telefone vermelho, uma linha direta entre os governos, para um conversar com o outro”, conta Ioris.

O professor Sidnei Munhoz cita que havia também um imbróglio sobre a possibilidade de ataque dos EUA. Isso porque já havia armamento nuclear na região onde eram construídos os mísseis em Cuba, mesmo que não estivessem em um estado pronto para operacionalizar.

“Foi um período muito tenso em que eu posso garantir que a espécie humana nunca esteve tão próxima da extinção ou ao menos disso que chamamos de humanidade, do que naqueles dias, porque, se uma coisa desse errada, era muito complicado”, esclarece.

Mísseis na Turquia

A negociação para retirada da construção dos mísseis soviéticos em Cuba também considerou a presença de mísseis americanos no território da Turquia.

“Negociou-se uma cláusula secreta que só foi aparecer mesmo para as pessoas dos EUA em 1968, que foi a retirada dos mísseis que os EUA tinham colocado na Turquia. Ou seja, a URSS havia tolerado mísseis na Turquia. Agora quando ela foi colocar em Cuba os EUA quase foram à guerra”, compara Munhoz.

À época, a Geórgia, que tem região fronteiriça com a Turquia, era parte da URSS. Portanto, a localização dos mísseis americanos era considerada um risco para o lado soviético no contexto da Guerra Fria.

Caso Rosenberg

Mais um caso emblemático da Guerra Fria foi o do casal Julius Rosenberg e Esther Ethel Greenglass Rosenberg. Eles foram executados em 1953 após serem condenados nos EUA pela suspeita de crime de traição. A acusação era de que eles teriam transmitido informações aos soviéticos.

A condenação do casal é um dos eventos tratados no livro escrito pelo professor Sidnei Munhoz “Guerra Fria: História e Historiografia”. Ele explica que o caso envolveu várias controvérsias e se passou no contexto de um dos períodos mais conflituosos da Guerra Fria, a Guerra da Coreia.

O casal, que era judeu, se pronunciou inocente. Mesmo que Julius e Ethel estivessem envolvidos na causa comunista, há discussões se Julius teria encaminhado informações ainda secretas ou se eles já tinham aqueles dados.

Naquela época, os soviéticos já tinham agentes que espionavam o projeto Manhattan, destinado a construir armas nucleares. “É por isso que, quando Julius Rosenberg passou as informações, elas eram pouco relevantes”, explica o professor.

Segundo Sidnei Munhoz, também não há indicativos conclusivos de que Ethel teria cometido algum crime. O irmão de Ethel, David Greenglass, foi considerado uma peça-chave da acusação no julgamento.

No entanto, anos após a condenação, em 2001, David admitiu que o seu testemunho era falso e que estabeleceu um acordo com a promotoria para proteger a sua esposa, Ruth Greenglass.

O processo em que o casal Rosenberg foi condenado se iniciou quando o físico Klaus Fuchs, que atuou no projeto Manhattan, foi preso e denunciou o contato que tinha nos EUA com “Raymond” Harry Gold. Por sua vez, Gold informou que o seu contato era um jovem maquinista, o que permitiu a identificação de David Greenglass.

Inicialmente, Greenglass reconheceu que havia passado informações aos soviéticos, porém não acusou a sua irmã Ethel. Depois, ao tribunal, disse que a sua esposa tinha informado aos agentes do FBI que Ethel havia datilografado notas que seriam enviadas aos soviéticos. Greenglass foi condenado a 15 anos de prisão e a sua esposa Ruth não chegou a ser processada.

Fonte: UOL

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