Durante mais de seis meses, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 dominou as atenções e os debates no país. No relatório final das investigações, entre outras denúncias, houve um pedido de indiciamento de 80 pessoas por suspeita de irregularidades relacionadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
O primeiro da lista é o presidente Jair Bolsonaro (PL), ao qual foram imputados nove crimes. Ao final dos trabalhos, ocorrido em 25 de outubro, denúncias e propostas aguardam prosseguimento na Procuradoria-Geral da República (PGR), no Congresso e no Ministério Público Federal.
Entre os indiciados, há ainda o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o atual titular da pasta, Marcelo Queiroga, e os filhos do chefe do Executivo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o vereador, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Os três são acusados de incitação ao crime.
Com a finalização do relatório, os integrantes da CPI fizeram um périplo pelo país, a fim de apresentar, a diversas autoridades, as conclusões das oitivas e das investigações realizadas durante meses. Os parlamentares depositavam uma grande expectativa em relação ao Procurador-geral da República, Augusto Aras.
Passados mais de três meses, a relação entre os integrantes da CPI e o PGR azedou. Na sexta-feira passada, indignado com o comportamento do PGR em relação à responsabilização do presidente Bolsonaro, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI, anunciou que pedirá o impeachment de Aras.
“Sr. Augusto Aras, se digne a assumir a chefia do MPF, e não mais a função de serviçal de Bolsonaro. Aras passou de todos os limites! Nesta semana, começarei a coleta de assinaturas p/ pedir o impeachment e o afastamento do PGR que não exerce suas funções!”, escreveu o parlamentar no Twitter.
Processo legal
Ontem, o procurador-geral decidiu se pronunciar. Disse que é preciso separar o trabalho da CPI, eminentemente político, de um processo legal. “Ao analisar o material, os investigadores verificaram inconsistências entre o que foi informado tanto no relatório quanto nos ofícios que formalizaram a entrega e o conteúdo efetivamente registrado nas mídias entregues pela CPI”, informou Aras.
“Desde então, a PGR vem atuando para solucionar o problema e garantir o acesso completo ao material com os cuidados necessários para preservar a cadeia de custódia, respeitar o devido processo legal e evitar nulidades”, completou.
Na PGR, foram instauradas seis investigações preliminares para apurar a conduta de Bolsonaro. Em discurso realizado na sessão de encerramento do ano no Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro, Aras disse que é preciso separar trabalho político do processo judicial “com limites, balizas e prazos legais”.
“Diante de um tema tão importante, é compreensível que haja um anseio social por respostas céleres. No entanto, precisamos separar o trabalho realizado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que tem características próprias do âmbito político, daquilo que é o processo judicial com limites, balizas e prazos legais”, alegou.
Além de defender o impeachment de Aras, o senador Randolfe Rodrigues reivindica a instalação de uma nova CPI em 2022. O motivo da nova investigação seria a demora para dar início à vacinação das crianças, bem como apurar os ataques feitos pelo presidente Jair Bolsonaro à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), além do apagão de dados do Ministério da Saúde, entre outros.
Diante da possibilidade de uma nova CPI, Bolsonaro fez críticas ao senador Randolfe, alegando que o parlamentar “vive de carnaval”.
Relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL) informou, em nota, que uma nova investigação dos últimos dois meses se faz urgente. “Desde o fim de outubro, Bolsonaro perdeu o medo de atacar a vacina, sentiu-se livre e voltou a delinquir. Ele só entende uma linguagem: CPI. É hora de agir”, argumentou.
O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que o relatório da CPI da Covid é devastador no sentido de imputar responsabilidade, especialmente ao presidente. Mas tem limites.
“A grande questão é que um relatório como esse tem poder de investigar, mas não de punir. Tem uma dimensão política do relatório, pois a CPI foi politicamente muito ruim para Bolsonaro. Isso será muito explorado na campanha eleitoral, levando a um maior desgaste”, observa.
“Juridicamente, essa responsabilização colocada pela CPI aos agentes públicos pode desencadear em processo judicial e condenação. Bolsonaro na presidência tem prerrogativa de foro. Mas se não for reeleito, pode ser julgado na Justiça comum. O relatório está nas mãos de Aras, que é alinhado a Bolsonaro. Cabe aos atores políticos cobrarem dele uma resposta ao relatório”, frisa.
Fonte: Correio Brasiliense