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Como os espaços de educação popular ajudaram as lutas camponesas na América Latina e no Caribe

A cada 17 de abril, organizações rurais de todo o mundo comemoram o Dia Internacional das Lutas Camponesas. A iniciativa foi tomada pela Via Campesina, movimento que reúne organizações rurais de todo o mundo, durante sua Segunda Conferência no México, em 1996.

O Dia Internacional das Lutas Camponesas rememora um dos acontecimentos mais cruéis da história recente do Brasil: o massacre de Eldorado do Carajás. Em 17 de abril de 1996, 21 camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram assassinados a sangue frio pela polícia militar. Um crime que permanece impune até hoje. 

O massacre ocorreu apenas alguns meses antes da conferência da Via Campesina no México, onde a atmosfera do debate foi contagiada pela tragédia dos eventos. No entanto, apesar do clima de luto, a conferência decidiu honrar a memória de seus companheiros assassinados definindo a data como uma convocação global para as lutas sociais pelo acesso à terra, na qual a memória do sangue derramado fosse transformada em um chamado à rebelião.   

A assimetria na distribuição de terras é um dos principais motivos da desigualdade social e econômica que existe no mundo. Uma desigualdade que se torna ainda mais dramática na América Latina e no Caribe. Ao longo da história da região, a  posse da terra tem motivado grandes lutas sociais.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a América Latina e o Caribe são as regiões com a distribuição de terras mais desigual do mundo: 1% das maiores fazendas são responsáveis por mais da metade das terras agrícolas da região, enquanto 80% das menores fazendas ocupam apenas 13% das terras produtivas. 

O sonho da terra para quem trabalha nela 

Em conversa com o Brasil de Fato, Adilen Roque Jaime, da Associação Nacional de Pequenos Agricultores de Cuba (ANAP), explica que, para Cuba, o Dia Internacional das Lutas Camponesas tem um significado especial. 

“Para Cuba, o Dia Internacional das Lutas Camponesas não tem o mesmo significado que para outros países. O campesinato cubano tem os resultados de uma revolução socialista: eles são donos de suas terras. No entanto, no mundo, as lutas pela terra, pela reforma agrária, continuam, provocando inclusive a morte de muitos camponeses. Portanto, somos solidários com as organizações de camponeses e suas lutas. Apoiamos as lutas de nossos irmãos e irmãs camponeses”, diz Adilen.

Ela explica que a criação de espaços de formação vinculados à educação popular tem desempenhado um papel muito importante na articulação das lutas camponesas no continente. 

“A Associação Nacional de Pequenos Agricultores de Cuba e o MST fizeram parte da criação da Coordenação Latino-Americana de Organizações Rurais (CLOC) e da Via Campesina. Grande parte dessa relação tem a ver com o fato de termos estabelecido relações por meio de nossa escola de formação de camponeses Niceto Pérez. Muitos companheiros de diferentes países vinham para os cursos de agricultura que realizávamos”, explica ela. 

A Associação Nacional de Pequenos Agricultores de Cuba (ANAP) é uma organização que representa o campesinato cubano. Criada em 1961, durante o segundo aniversário da Primeira Lei de Reforma Agrária de Cuba, foi uma das primeiras medidas adotadas pela Revolução após seu triunfo em 1959. 

A partir dessa medida, o governo revolucionário distribuiu as terras do latifúndio entre mais de 100 mil famílias de camponeses, que até então viviam na mais profunda miséria. Estima-se que, antes dessa medida, 80% das terras férteis estavam nas mãos de empresas estadunidenses.

A partir de então, a terra passou a pertencer àqueles que a trabalhavam. Após a criação da Associação Nacional de Pequenos Agricultores (ANAP), os camponeses cubanos se viram diante da necessidade de criar espaços para a preparação e o treinamento da gestão da terra. Assim nasceu a Escola Nacional da ANAP Niceto Pérez, onde começaram a ser oferecidos cursos de organização social comunitária, gestão econômica, agricultura sustentável e outros relacionados à atividade social e econômica no campo.


Fidel, juntamente com o Dr. Osvaldo Dorticos, Ministro encarregado da Proposta e Estudo de Leis Revolucionárias, assina a Lei de Reforma Agrária em 17 de maio de 1959 / Fidel Soldado de Ideas

Com o passar dos anos, a escola cresceu e começou a receber delegações de camponeses de outros países interessados em aprender sobre agricultura, mas também sobre gestão de cooperativas.

“Muitos líderes vieram se formar aqui em Cuba. Companheiros do MST vieram. Mas também muitos de nossos companheiros estiveram no Brasil compartilhando as experiências do Movimento dos Sem Terra”, observa Adilen Roque Jaime.

Esses espaços de treinamento lançaram as sementes do que mais tarde se tornaria a coordenação entre as lutas camponesas do continente.

Um grito de união 

“Desde o triunfo da Revolução, Cuba tem passado por momentos muito críticos e difíceis”, diz Adilen. A história da Revolução é também a história do enfrentamento dessas dificuldades e das agressões contra a Revolução.

Como uma ilustração eloquente, o 17 de abril, Dia Internacional das Lutas Camponesas, é também a data em que Cuba relembra a invasão da Baía dos Porcos –também conhecida como invasão da Baía dos Porcos. 

Trinta e cinco anos antes do Massacre de Eldorado de Carajás, em 17 de abril de 1961, mais de 1.200 mercenários, financiados e treinados pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), tentaram invadir Cuba para provocar a queda do processo revolucionário. Após 48 horas de luta, as milícias revolucionárias cubanas (formadas principalmente por camponeses e trabalhadores voluntários) conseguiram deter e capturar os invasores. Playa Girón foi a primeira grande derrota militar dos Estados Unidos na América Latina e no Caribe.   

As agressões sofridas por Cuba continuam até hoje, sob várias formas. Em todos esses anos, o bloqueio tem sido uma das principais formas de hostilidade dos EUA contra o projeto da Revolução Cubana.

“Se alguma coisa permitiu que o povo cubano superasse todos esses obstáculos, todas essas dificuldades, foi a unidade. É por isso que pensamos que os camponeses da América Latina e de todo o mundo, para superar todas as dificuldades, devem permanecer unidos. Temos o desafio de que nossa unidade ajude a aprofundar o processo de integração com o qual Chávez e Fidel sonharam: uma América Latina e o Caribe unidos, livres e como uma zona de paz”, reflete Adilen.

O espírito cooperativo

A cada 17 de abril, a luta coletiva dos camponeses assume diferentes formas e expressões em todo o mundo. Na Venezuela, desde a chegada do chavismo, as formas cooperativas de propriedade e produção estão se disseminando.

A unidade para a luta coletiva também tem uma dimensão econômica. No contexto do bloqueio, a organização é fundamental para resistir por meio da produção e gestão dos recursos tanto no campo quanto nas cidades.

Em conversa com o Brasil de Fato, Jorge Queragan, da Comuna Panal 2021, na Venezuela, explica que as lutas sociais pelas quais o país vem passando têm como objetivo construir formas de relações e produção que superem o capitalismo.

“Chávez nos disse que as comunas são os espaços onde o socialismo será realizado. E nós, comuneros, temos certeza disso. A comuna é a criação de novas relações econômicas, políticas e sociais”, explica. 

Localizada no emblemático bairro de 23 de Enero, em Caracas, a Comuna Panal 21 é uma experiência de auto-organização dos próprios vizinhos e de formas de produção cooperativa de propriedade social. Jorge Queragan fala enquanto se realiza na comuna uma jornada em memória do massacre de Eldorado do Carajás que reúne diferentes movimentos sociais.

“Temos alianças estratégicas com camponeses e produtores para trazer produtos a preços reais, que custam aos camponeses o que eles precisam, mas que também ajudam o bolso de nosso povo. Esses são produtos que o capitalismo vê como mercancias e nós subvertemos essa lógica. Além de satisfazer as necessidades, aliviamos a crise e defendemos os salários de nossos trabalhadores. Rompemos com os exploradores e as máfias comerciais do Capital”, explica.

Um dos principais objetivos para o crescimento dessas experiências é a formação. Jorge Queragan enfatiza a importância de incorporar os jovens que estudam agroecologia aos processos produtivos das comunas “de forma proletária, sem a lógica do patrão”, diz ele. 

A educação ocupa um lugar fundamental nas lutas por diferentes formas de produção. “Para ser um espaço para o socialismo, precisamos treinar os membros da comunidade. E obviamente não vai ser na educação formal, vai ser na educação transformadora. Temos como base a educação de Paulo Freire, que é um educador do mundo, que tem uma educação libertadora que transforma realidades, assim como Simon Rodrigues, nosso professor libertador que nos ensina que temos de aplicar exercícios úteis. Os jovens não podem ser treinados para a mentalidade do sistema capitalista. Eles precisam ser educados para o progresso coletivo e para capacitar o desenvolvimento de sua comunidade.”

Fonte: Brasil de Fato, por Gabriel Vera Lopes e Lorenzo Santiago/Edição: Rodrigo Durão Coelho/Imagem: Brasil de Fato

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