Com covid e sem comício: como diagnóstico de Trump muda a campanha presidencial nos EUA
Via Twitter, às duas da manhã de Brasília, o presidente americano, Donald Trump, anunciou a mais nova reviravolta na campanha eleitoral a 32 dias do pleito presidencial.
“Esta noite, eu e a primeira-dama testamos positivo para covid-19. Começaremos nossa quarentena e o processo de recuperação imediatamente. E vamos passar por isso JUNTOS!”, escreveu o presidente em sua conta na rede social.
Desde então, ele mantém um pouco usual silêncio na plataforma, sem nenhum novo comentário há mais de 13 horas.
Aos 74 anos e tecnicamente obeso, Trump é considerado grupo de risco para a doença.
Embora o médico pessoal do presidente tenha garantido em nota que ele está em boas condições, a imprensa americana mergulhou em especulações sobre o que o diagnóstico significará para o presidente pessoalmente e para sua campanha à reeleição.
“Ao longo da história, os presidentes dos Estados Unidos e suas equipes têm sido pouco transparentes ao falar ao público sobre a condição médica do mandatário. Há poucos motivos para esperar que este presidente, especialmente, se desvie dessa norma”, disse à BBC News Brasil Michael Cornfield, especialista em campanhas da Universidade George Washington.
Sem comícios por 15 dias
Mas se há muitas dúvidas, também há implicações óbvias da notícia.
Conhecido como showman e algo entre 7 e 8 pontos percentuais em desvantagem em relação ao rival democrata Joe Biden nas pesquisas, Trump vinha cumprindo uma agenda intensa de comícios presenciais, muitas vezes em ginásios fechados.
Apenas na última semana, ele esteve em seis Estados diferentes: Minnesota, Pennsylvania, Virginia, Georgia, Flórida e Carolina do Norte. E horas antes de receber o diagnóstico, Trump esteve com ao menos 100 pessoas em um de seus campos de golfe em Nova Jersey, em um encontro de arrecadação de fundos de campanha.
A agenda intensa gerou críticas de autoridades locais em áreas com aumento de casos de covid-19, como o Wisconsin.
Para a campanha de Trump, no entanto, esse tipo de evento era crucial para energizar as bases, especialmente em Estados-pêndulo, onde há eleitores indecisos que podem definir a disputa.
O presidente vinha criticando seu oponente por ter adotado um estilo online de campanha e repetindo que Biden se “escondia no porão”.
Agora, o esperado é que todos os eventos do republicano sejam cancelados por ao menos 15 dias, como preconizam as autoridades de saúde americanas.
“Isso pode significar um desastre para a campanha de Trump. Ele perderá a oportunidade de fazer campanha em Estados decisivos como a Pensilvânia, Ohio e Wisconsin, que ajudaram a determinar sua vitória em 2016”, afirma Thomas Whalen, cientista político da Universidade de Boston.
Dinheiro curto e debate suspenso
As consequências podem ser ainda mais profundas, no entanto.
Se há 6 meses o caixa eleitoral de Trump contava com uma vantagem de US$ 200 milhões sobre o rival Biden, essa abundância desapareceu em setembro e a possibilidade de enfrentar a reta final da disputa com dinheiro contado passou a preocupar o Partido Republicano.
Para melhorar a arrecadação junto a empresários simpáticos a Trump, que haviam frustrado a tesouraria do partido até então, a campanha contava com eventos com a presença do presidente. Mas de um dia pro outro, eles se tornaram inviáveis.
Além disso, a 13 dias de distância, o segundo debate presidencial entre os dois candidatos, marcado para acontecer em Miami, em 15 de outubro, terá que ser cancelado ou convertido em um evento online.
Na terça-feira, Trump e Biden se enfrentaram em um debate televisivo pela primeira vez. O presidente adotou seu conhecido estilo agressivo e verborrágico e interrompeu Biden centenas de vezes, falando por cima até mesmo do moderador do programa.
O resultado foi tão caótico que a comissão bipartidária organizadora de debates presidenciais passou a cogitar novas regras, que incluíssem algum tipo de corte de microfone, o que o presidente afirmou em redes sociais que não estaria disposto a aceitar por ter, em suas palavras, “vencido o debate com folga”.
As pesquisas feitas após o evento, no entanto, mostraram o contrário.
Em uma delas, feita pela rede CNN, 60% dos pesquisados disseram que Biden venceu, contra 28% que acharam que Trump foi o melhor. Na sondagem da rede CBS News, deu 48% a 41% para o democrata. E no levantamento feito pela Ipsos para o site FiveThirtyEight, 59,7% disseram que a performance de Biden foi boa, contra 32,9% que disseram o mesmo sobre Trump.
Se o debate acontecer em um formato online, no entanto, o corte de microfone seria praticamente obrigatório, para tornar o evento inteligível para o público, o que obrigaria o republicano a abandonar a estratégia que usou não só contra Biden, mas também contra Hillary Clinton, em 2016.
E se não houver debate, Trump perde a chance de confrontar Biden e tentar tirá-lo da liderança na preferência dos americanos.
“No segundo debate presidencial, a campanha contava com um desempenho de recuperação para mudar a narrativa da corrida. O tempo de um candidato é a mercadoria mais preciosa durante um ciclo eleitoral e isso provavelmente deixará o presidente Trump de lado por cerca de duas semanas no pior momento possível”, afirmou à BBC News Brasil Aaron Kall, diretor de debates da Universidade de Michigan co-autor do livro Debating The Donald.
Coronavírus no centro da campanha
Além disso, a doença de Trump torna inevitável que a pandemia de coronavírus retorne para o centro da campanha política.
“O presidente fez todo o possível para fugir disso e mudar o tópico do coronavírus quando possível”, relembra Kall. Com mais de 200 mil mortos na pandemia, os Estados Unidos são responsáveis por mais de 20% das mortes causadas pelo vírus ao redor do mundo, embora não tenham nem 5% da população mundial.
A gestão do presidente da crise sanitária tem sido abertamente criticada e é reprovada por mais de 56% dos americanos, de acordo com o agregado de pesquisas do site FiveThirtyEight.
“O diagnóstico do presidente se tornou um holofote sobre as falhas de sua própria gestão na pandemia”, analisa Whalen.
Trump minimizou publicamente a gravidade da situação – e admitiu ao jornalista Bob Woodward que sabia estar passando informação falsa aos americanos, mas que o fez para evitar o pânico. Ele também agiu contra medidas de distanciamento social e se recusou ao longo de meses a recomendar o uso de máscaras e a usá-las ele mesmo.
No debate na noite de terça-feira, Trump tirou uma máscara do bolso de seu paletó e disse que a usava “quando necessário”. Em seguida, ridicularizou Biden por sempre cobrir o rosto: “Eu não uso máscara como ele (Biden), toda hora que você o vê, ele está de máscara. Pode estar falando a 200 pés (60 metros) de distância, mas ele aparece com a maior máscara que eu já vi”.
É incerto se o presidente já estava infectado naquela noite, mas Biden informou que seu teste de covid-19, feito na manhã desta sexta, deu negativo.
Efeito empatia
Quando políticos se veem em situações de doença ou acidentes, é comum que sua popularidade melhore por um efeito empatia que a condição de fragilidade indesejada provoca no público e nos eleitores.
Os analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que Trump pode receber esse benefício diante da enfermidade, mas que, em seu caso, a atuação do presidente diante do coronavírus dificulta que os efeitos sejam significativos a ponto de fazê-lo virar a disputa ou duradouros até o dia da eleição.
“No curto prazo, ele se beneficiará dos votos de boa sorte e da simpatia bipartidários dos americanos. Esse tipo de diagnóstico de saúde geralmente produz essa reação, mas o fato de o presidente Trump minimizar a doença e as medidas de prevenção para mitigá-la dificulta que isso se torne uma vantagem política relevante”, afirma Kall.
Os especialistas também acham improvável que Trump adote alguma autocrítica sobre sua atuação após a enfermidade ou mude o rumo da gestão sanitária a essa altura, o que poderia alterar mais significativamente sua imagem diante do público.
“Ele pode despertar alguma simpatia, mas no longo prazo as pessoas perceberão que foi sua falta de consideração pela saúde pública que colocou a ele e ao país nessa situação”, diz Whalen. (BBC)
Redação