O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), emplacou no conselho de uma subsidiária do Banco do Brasil a advogada Sabá Cordeiro Filha, sua chefe de gabinete na pasta e irmã do presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Cordeiro.
Como revelou o Estadão, o ministro trata o chefe do Cade como “meu menino” e defende que a atuação do aliado é importante, pois “não podemos perder a maioria”. O colegiado é responsável por julgar suspeitas de cartéis e fusões de empresas bilionárias.
A oficialização de Sabá como integrante do Conselho Fiscal da BB Investimentos, subsidiária do banco público especializada no mercado de capitais, é de 29 de novembro. Como conselheira, ela participa de reuniões mensais e precisa analisar e emitir pareceres sobre relatórios contábeis.
Entretanto, o currículo dela não indica qualquer expertise na área fiscal ou em gestão de investimentos. Com registro na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) cancelado a pedido, ela dizia assessorar o marketing de Ciro, no Senado.
Sabá assumiu pela primeira vez a chefia de gabinete do senador, hoje ministro, ainda em 2013. Na época, Cordeiro era secretário executivo do Ministério das Cidades e logo em seguida seria nomeado por Ciro na terceira secretaria do Senado. De lá, começaria sua ascensão no Cade até a presidência do órgão, o que conseguiu sob o governo Jair Bolsonaro.
Experiência
Sabá responde pela chefia de gabinete na Casa Civil desde agosto, pouco depois de o líder do Centrão se aliar a Bolsonaro e ser nomeado para o primeiro escalão do governo. Na documentação que apresentou ao BB, ela destacou ter “especialização em Desenvolvimento Gerencial e em Administração Pública”. No currículo entregue à Casa Civil afirmou ter “ampla experiência na área de projetos legislativos e políticas públicas, com ênfase em segurança pública e defesa do consumidor” e ter atuado “na área de estratégia de comunicação e marketing institucional”.
A função de conselheira rende o pagamento de jetons mensais de R$ 4,9 mil. O valor se soma ao salário de R$ 10,1 mil que recebe pelo cargo de confiança.
Sabá é mais um exemplo do poder que Ciro exerce em setores estratégicos do governo, com o aval do presidente. É dele o controle de áreas nas quais suspeitas de corrupção têm vindo à tona, como é o caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Procurado, Ciro Nogueira não se manifestou até a conclusão desta edição.
‘Requisitos legais’
Em nota, o Banco do Brasil afirmou que a chefe de gabinete de Ciro “atende a todos os requisitos técnicos e legais” para ocupar o cargo na instituição. A experiência profissional e a formação técnica e acadêmica da conselheira “foram submetidas ao Comitê de Elegibilidade da empresa, que estabelece critérios rigorosos para exercício do cargo”. O banco também destacou que o “currículo da conselheira correspondeu plenamente às exigências da Lei das Estatais e do decreto 8945, que regulamenta a atuação de gestores em sociedades anônimas”.
“Meu menino”
Inquérito da PF (Polícia Federal) que apontou indícios de crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro pelo ministro Ciro Nogueira, mostra que ele se refere ao presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Alexandre Cordeiro, como “meu menino” e diz que “eu botei ele lá”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
O Cade é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, cuja função é investigar acusações de prática de cartel e decidir sobre fusões de empresas, entre outras.
Segundo a reportagem, em troca de apoio do Progressistas, partido que preside, Ciro conseguiu fazer de Cordeiro “o mais longevo a ocupar o alto escalão do Cade”. Ele foi nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao cargo em julho do ano passado, após ser sabatinado e ter seu nome aprovado no Senado. A nomeação de Ciro Nogueira para a chefia da Casa Civil também foi oficializada em julho.
Conforme o “Estadão”, a conversa em que o ministro fala sobre sua influência na autarquia foi gravada pelo empresário Joesley Batista, do grupo, J&F, em março de 2017, quando ele estava em busca de provas para sua delação premiada, mas só veio à tona agora.
No diálogo, segundo o jornal, Joesley se queixa com Ciro de problemas no Cade, e o agora ministro diz ter um apadrinhado no órgão. “Um cara de bom senso. Meu menino, ele era meu chefe de gabinete, eu botei ele lá (…) E ele conseguiu se entrosar lá”, afirmou.
Joesley então pergunta: “Como é que é. Alexandre o quê?” “Cordeiro”, responde Ciro Nogueira.
Naquela ocasião, conforme a reportagem, a J&F fechou um frigorífico em Santa Fé do Sul (SP) e demitiu 600 funcionários alegando que não conseguia cumprir determinação do Cade que estabelecia níveis mínimos de produção. Em março, o frigorífico foi reaberto com autorização do órgão para produzir menos.
Ainda durante a conversa com o empresário, Ciro reforçou a preocupação em manter o controle do Cade. “É uma coisa que nós temos que, porque hoje nós temos a maioria lá, por isso que ele conseguiu (incompreensível). Nós não podemos perder a maioria”, disse o ministro, conforme a PF.
Procurado pelo jornal e questionado sobre qual a razão para um político ter o controle de um órgão como o Cade e a forma de tratamento de seu apadrinhado, Ciro Nogueira não respondeu, assim como Cordeiro. Ambos também foram procurados pelo UOL, por meio das assessorias da Casa Civil e do Cade. O espaço está aberto para manifestação.
O relatório final do inquérito que a PF entregou ao STF (Supremo Tribunal Federal) na semana passada concluiu que houve repasse de propinas para Ciro Nogueira, pagas por Joesley, para garantir apoio do PP à chapa Dilma-Temer, em 2014. Em troca, Ciro Nogueira emplacou Cordeiro para conselheiro do Cade pela primeira vez, segundo a reportagem. Nesse inquérito, no entanto, a PF não aprofunda a investigação sobre a atuação no órgão.
O relatório aponta que Ciro Nogueira teria cometido corrupção passiva, mas não pede o indiciamento do ministro. Isso ocorre porque há um entendimento de que a PF não pode indiciar autoridades com foro no STF.
Em nota divulgada, o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, responsável pela defesa do ministro, afirmou que a conclusão da PF “é totalmente baseada somente em delações que não são corroboradas com nenhuma prova externa”.
Ciro Nogueira foi aliado da gestão petista até o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. No governo de Michel Temer (MDB), em 2017, ele colocou Cordeiro como superintendente-geral do órgão. Na época, conforme o “Estadão”, Temer chegou a indicar uma técnica para a vaga, mas cedeu a pressões e Cordeiro ficou com a vaga.
Em 2019, ainda conforme a reportagem, o ministro convenceu Bolsonaro a reconduzir Cordeiro para o cargo na superintendência. No ano passado, ao aderir ao Centrão, o mandatário colocou Cordeiro como presidente da autarquia até 2025.
Hoje, Ciro é um dos principais ministros de Bolsonaro e foi um dos articuladores da entrada do chamado “Centrão” no governo. O partido do ministro já declarou apoio à reeleição de Bolsonaro neste ano.
Em fevereiro deste ano, Cordeiro foi o responsável por dar o voto que determinou o resultado favorável à venda da Oi Móvel para Claro, TIM e Vivo. O julgamento do caso ficou empatado em três a três e ele, como presidente do órgão, tinha o “voto de qualidade”.
O relator do caso e o MPF (Ministério Público Federal) se manifestaram contrários à transação por constatarem ameaças à competitividade. Nos bastidores, segundo o jornal, integrantes do órgão criticaram a atuação de Cordeiro no caso.
Em 2018, Cordeiro divergiu dos subordinados e aprovou a compra da Transfederal, do ex-presidente do Senado Eunício Olivera (MDB), pela espanhola Prosegur na superintendência. Segundo o “Estadão”, a decisão surpreendeu servidores e integrantes do órgão — técnicos do Cade haviam recomendado a reprovação da operação.
Durante sua gestão, ainda segundo a reportagem, ao menos seis servidores experientes deixaram o setor técnico do Cade com críticas a sua conduta.