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Casal que planejou atentado contra Kirchner é indiciado; veja qual era plano

O brasileiro Fernando Sabag Montiel, de 35 anos, e a sua namorada Branda Uliarte, de 23, foram formalmente indiciados por tentativa de homicídio, pelo ataque contra a vice-presidente argentina Cristina Kirchner, em 1° de setembro. A justiça também oficializou a prisão preventiva do casal, que já estava detido, e impôs uma fiança no valor de 100 milhões de pesos argentinos (cerca de R$ 3,5 milhões).

Através de uma resolução de 95 páginas, a juíza María Eugenia Capuchetti classificou o casal como coautores da tentativa de homicídio agravado.

“Sabag Montiel e Uliarte agiram com um determinado desígnio de causar a morte da vice-presidente, Cristina Fernández de Kirchner, de acordo com o prévio plano idealizado pelos dois, cujo resultado não foi alcançado, ficando em grau de tentativa”, considerou a magistrada na resolução.

“A arma foi dirigida a uma parte vital da pessoa atacada e a poucos centímetros. Não existe dúvida sobre a sua aptidão para provocar a morte da vítima”, afirma.

Sobre a situação dos outros dois presos, uma amiga de Brenda Uliarte, Agustina Díaz, e um integrante do grupo que vendia algodão-doce, Nicolás Carrizo, a juíza ainda espera por mais evidências que confirmem o papel de encobrimento.

Reconstituição da tentativa de crime

A reconstituição do plano de assassinato foi possível através dos celulares dos implicados, com exceção do telefone de Sabag Montiel cujo conteúdo a Polícia Federal apagou durante uma tentativa de desbloqueio do aparelho. Essas eram apontadas como as informações mais importantes.

Há cinco meses, em 22 de abril, Brenda Uliarte comprou uma pistola semiautomática calibre 32 com a numeração parcialmente apagada. No diálogo com uma amiga, através do aplicativo de WhatsApp, Brenda dizia que o objeto havia sido comprado para “assustar” um ex-namorado que a assediava.

No dia 4 de julho, numa conversa com a amiga Agustina Díaz, Brenda diz que “vai com a pistola e dará um tiro na Cristina”, evidenciando a decisão de matar a vice-presidente, sem, no entanto, definir como executar o atentado. “A questão é como, porque a velha tem segurança”, pergunta-se Brenda em relação à vice-presidente.

“Gangue do algodão-doce”

A forma que seria posteriormente encontrada era a suposta venda de algodão-doce, ramo no qual o casal tinha entrado com um grupo de outros vendedores. É possível ver os algodões nas imagens das manifestações em frente à casa de Cristina Kirchner, iniciadas em 22 de agosto, quando a Justiça pediu 12 anos de prisão para vice-presidente por corrupção.

O disfarce de vendedores de algodão-doce permitia fazer o trabalho de inteligência sobre os movimentos de Cristina Kirchner sem chamar a atenção. Ao mesmo tempo, graças à imagem do algodão-doce que se destaca na multidão, é possível agora saber quando a dupla estava ou não presente nas manifestações. A inusitada venda de algodão-doce em horários noturnos, no meio de adultos manifestantes, curiosamente não chamou a atenção dos mais de 100 seguranças que protegem Cristina Kirchner.

“Nos dias prévios [ao atentado], mais precisamente no dia 27 de agosto, Sabag Montiel é visto nas imediações do domicílio da vice-presidente, observando os seus movimentos com a intenção de cometer o crime, mas, nessa ocasião, decidiu não o executar por entender que não poderia aproximar-se o suficiente da vítima. Naquele momento, ele mandou uma mensagem à sua consorte de causa e disse-lhe que ela [Cristina Kirchner] já tinha entrado no seu domicílio e que [Brenda] não lhe trouxesse nada, numa suposta referência à pistola que os dois guardavam para cometer o crime”, descreve a juíza na sua resolução.

Após atentado frustrado, Brenda Uliarte se apresentou com o nome de Âmbar às câmeras de TV e disse que não via o seu namorado Fernando Sabag Montiel havia dois dias. O próprio Fernando disse no seu depoimento que “ela não tinha nenhuma relação com o ataque” e que “ele agira sozinho”.

No entanto, nas imagens captadas pelos celulares dos manifestantes, pode-se ver como Brenda sai discretamente da cena do crime quando Sabag Montiel passa por ela enquanto é levado à Polícia, depois de ter sido rendido por militantes. “Brenda Elizabeth Uliarte estava a poucos metros quando os presentes no lugar separaram Fernando André Sabag Montiel do conglomerado de pessoas nas imediações do domicílio da vice-presidente”, afirma a juíza.

“Eu não pensei, naquele momento, que Fernando estivesse com a arma. Também não vi a ação. Só fiquei sabendo depois que fui embora”, depôs Brenda Uliarte, sendo desmentida pelas evidências.

“Quero esclarecer que não tenho nem ódio nem rancor por ninguém. Jamais seria capaz de fazer algo assim. Considero algo aberrante”, defendeu-se Brenda. Porém, enquanto Brenda dava a sua versão, o conteúdo do seu celular indicava outra realidade.

“Não restam dúvidas quanto a que os dois tinham em seu poder a arma de fogo que utilizariam para cometer o homicídio com cabal conhecimento sobre o seu adequado funcionamento e aptidão de disparo para o qual levaram [a arma] carregada de munições do mesmo calibre às imediações do domicílio da vítima onde já sabiam, de acordo às tarefas de inteligência que os dois realizaram no lugar, que a Sra. vice-presidente ficava um tempo prolongado a saudar o público”, conclui a juíza.

Estratégia de aproximação

No dia 5 de julho, Brenda escreveu a Fernando que “para limpar a Argentina era preciso que houvesse sangue”.

“É possível fazer. Só é preciso encontrar a maneira. Sei usar um “ferro” [pistola]. Não sou uma franca-atiradora, mas me viro. É preciso esperar um vácuo, ser estrategista”, escreveu Brenda, revelando ser a mentora do plano.

O projeto avançou a ponto de, no dia 23 de agosto, Sabag Montiel escrever-lhe sobre o aluguel de um apartamento nas imediações do domicílio de Cristina Kirchner. Queriam ficar em um imóvel próximo à cena do crime.

“O cara do aluguel me respondeu para que vejamos [o apartamento] no sábado. Eu lhe disse que teríamos dinheiro para dar um sinal”, dizia Fernando, reforçando que era para dar um “pipoco” em Cristina.

“Estamos muito perto da mulher [Cristina]. Sim, é preciso ir e dar-lhe um pipoco. Sabe do que precisamos? De um franco-atirador. Ela fica na varanda e pimba, um tiro na cabeça para acabar com ela”, instigou Brenda.

Até que, no dia 27 de agosto, Fernando Sabag Montiel avisa a Brenda Uliarte que não conseguiu executar o disparo. “Ela já entrou [no edifício]. Ela está lá em cima, mas não acredito que saia. Então, já foi. Deixa pra lá. Eu vou para aí. Não traga nada”, disse o brasileiro. “Mas que filha da p… Ela percebe”, revolta-se Brenda.

“Não, não é que perceba. Agora tem uma câmera de TV e pouca gente. As pessoas estão indo embora. A hora era aquela. Tinha de ter sido ali. Agora é tarde”, lamenta-se Fernando.

Estratégia de fuga

Fernando comenta sobre os militantes que diariamente se reuniam em frente à casa de Cristina Kirchner para lhe dar apoio diante dos processos por corrupção. E imagina como seria a reação perante os tiros.

“Que graça esses ‘viadinhos’ me dão tirando fotos, macacas de auditório, fazendo-se de peronistas. Você aparece ali com a pistola aos tiros e sabe como saem todos correndo? Pânico, caos. Se eu disparar, depois dos tiros vão saber que eu tenho a arma. Terei de tirar o carregador e vão ter de tirar a pistola de mim. Mas não vão ter balas. Então, vão me dar uma surra. Vários podem me pegar, mas outros vão correr”, fantasia Fernando sobre a cena do crime. “Você acha que não vão te pegar? O objetivo é que você dê o pipoco e fuja”, recomenda Brenda.

No mesmo dia 27 de agosto, Brenda tinha escrito a sua amiga Agustina Díaz, definida por ela como “amor da minha vida”.

“Vou ser a libertadora da Argentina. Estive praticando tiro. Sei usar uma arma. Hoje eu me torno San Martín [libertador da Argentina]. Vou mandar matar a Cristina. Eu me cansei de que falem e que não façam nada. Vou fazer isso. O espírito do San Martín entrou no meu corpo. A filha da p… entrou antes que lhe desse um tiro”, conta Brenda à amiga. “Mandei matarem você Cristina. Não aconteceu porque ela entrou. Que raiva! Mandei um cara matar a Cristi”, repete Brenda com ares de autora do plano.

Diante da pergunta da amiga sobre quanto o contratado cobrou para o assassinato, Brenda responde: “Não me cobrou. Fez porque também está de saco cheio. Também estou cansada de que (Cristina) ande roubando e fique impune”.

A hora H

“Depois de uma detalhada preparação, chegamos ao dia 1 de setembro, quando encontraram a oportunidade de aproximarem-se da vítima, escondidos entre as pessoas dos seguranças de Fernández de Kirchner”, avança a juíza.

Infiltrado entre os militantes, Fernando Sabag Montiel apontou a pistola a poucos centímetros do rosto de Cristina Kirchner. Apertou o gatilho, mas o tiro falhou. Não havia um projétil na câmara, passo prévio necessário para o disparo.

“Mas o que aconteceu que o tiro falhou? Ele não praticou antes ou falhou na adrenalina do momento? Onde você está? Não seria conveniente que voltasse a sua casa?”, perguntou a amiga Agustina, advertindo que “vão procurar Brenda por todos os lugares se descobrirem que você é cúmplice”.

“Se isso acontecer, vou-me embora a outro país e até mudo de identidade. Tenho um pouco de dinheiro e conhecidos. Vou embora, mas antes quero fazer alguma coisa pelo país”, explica Brenda.

A juíza justificou a prisão preventiva por esse risco de fuga. Além do processo por homicídio agravado, houve delito por porte ilegal de uma arma de procedência ilegítima, por estoque de munições sem autorização legal e falsificação de documento público.

Fernando Sabag Montiel é filho de um chileno e de uma argentina. Nasceu em São Paulo, mas vive em Buenos Aires desde a infância.

Cristina agradece a Deus, e ataque é visto com ceticismo

Nesta quinta-feira (16), Cristina Kirchner falou pela primeira vez. “Estou viva graças a Deus e à Nossa Senhora. Senti que tinha de agradecer cercada de sacerdotes, irmãs religiosas e pobres”, declarou a vice-presidente diante dos padres que atuam nas favelas, os quais ela convocou ao Senado.

A consultora Reputação Digital mediu a reação das pessoas nas redes sociais. Foram 801 mil registros de conversas sobre o atentado por parte de 256 mil pessoas. O resultado indicou que 62,5% das reações foram de não acreditar no ataque.

Outra consultora, a Trespuntozero, chegou a resultados semelhantes: 53,6% acreditam que o atentado foi inventado por Cristina Kirchner para se vitimizar, enquanto 30,8% acreditam na tentativa de assassinato. Outros 8,1% interpretam como um caso isolado de violência cometido por um desequilibrado.

Quando perguntadas se estariam dispostas a se manifestarem nas ruas para apoiar Cristina Kirchner e para repudiar o ataque, 28,6% responderam afirmativamente, enquanto 71,4%, negativamente.

Fonte: RFI

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