
Em entrevista concedida nesta sexta-feira (16) à rádio Auriverde, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou a negar envolvimento em qualquer plano de golpe de Estado e declarou que não deixará o Brasil, mesmo diante da possibilidade de uma condenação que pode levá-lo a até 39 anos de prisão. “Alguns falam que eu devia sair do Brasil. Não vou sair do Brasil, me prendam, pô. Está previsto quarenta anos de cadeia, me prendam”, afirmou.
Bolsonaro é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) acusado de crimes graves, incluindo:
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Organização criminosa armada;
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Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
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Golpe de Estado;
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Dano qualificado contra o patrimônio da União;
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Deterioração de patrimônio tombado.
Mesmo diante da gravidade das acusações, o ex-presidente manteve o tom irônico: “Qual crime? Crime impossível, da Minnie e do Pato Donald”, disse, reforçando sua postura de descrédito em relação à investigação.
A fala, no entanto, vai além de uma simples negativa: ao afirmar que “vai morrer na cadeia”, Bolsonaro projeta a imagem de um perseguido político, alguém que estaria sendo injustamente punido por suas convicções. “Tenho quarenta anos de cadeia no lombo, não tenho recurso para lugar nenhum, eu vou morrer na cadeia”, declarou, em tom dramático.
Vítima, mártir ou estrategista?
A postura adotada por Bolsonaro acende o debate sobre o verdadeiro objetivo de suas declarações. Seria um gesto de coragem e enfrentamento ou um movimento calculado para reforçar sua base de apoio e se posicionar como mártir? A narrativa da perseguição tem sido recorrente entre líderes populistas ao redor do mundo que enfrentam investigações judiciais. No Brasil, o bolsonarismo já demonstrou habilidade em mobilizar massas por meio de símbolos de resistência, mesmo diante de acusações concretas.
Ao se dizer disposto a ser preso e assumir que pode morrer atrás das grades, o ex-presidente tenta construir uma imagem messiânica — alguém que “sacrifica-se pelo povo”. Esse discurso pode servir tanto para galvanizar apoio entre seus seguidores mais fiéis quanto para pressionar instituições democráticas, sugerindo que qualquer decisão contra ele é, na verdade, uma ação contra o povo e a liberdade.
Cálculo político em ano eleitoral
A entrevista também deve ser lida no contexto da movimentação política para as eleições municipais de 2024 e o cenário de 2026. Impedido de disputar cargos eletivos por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Bolsonaro ainda exerce forte influência no campo da direita, sendo uma peça-chave na articulação de candidaturas ligadas ao seu nome.
Assim, ao reforçar a narrativa de perseguição e injustiça, Bolsonaro alimenta um discurso que pode manter sua presença política viva, ainda que fora das urnas. É uma estratégia arriscada, mas que pode ser eficaz diante de um eleitorado polarizado e cético quanto às instituições.
O STF e a tensão institucional
A disposição pública de enfrentar o STF — com ironias, provocação e desprezo pelo processo judicial — intensifica a já desgastada relação entre os Poderes. O Supremo, por sua vez, caminha com cautela, mas firmeza, na condução do processo, que envolve também militares e aliados políticos próximos de Bolsonaro.
A possibilidade de prisão, ainda que juridicamente fundamentada, poderia provocar reações imprevisíveis na base bolsonarista. Nesse cenário, a declaração de que permanecerá no Brasil pode ser uma tentativa de evitar que uma eventual ordem de prisão seja lida como “fuga de responsabilidade” — e, com isso, desgastar sua própria imagem.
Conclusão
Bolsonaro não está apenas se defendendo das acusações — está jogando com a opinião pública. Ao se colocar como vítima e mártir, o ex-presidente investe em uma narrativa emocional, que já se provou eficaz em sua trajetória política. Resta saber se esse discurso encontrará eco suficiente para reverter um possível desfecho jurídico desfavorável — ou se, ao final, sua estratégia acabará por fortalecer o cerco institucional que hoje o ameaça.
Por Damata Lucas – Imagem: STF/Antônio Augusto