O ex-governador Geraldo Alckmin está disposto a mostrar com quantos cafezinhos em padarias se faz uma chapa presidencial —e são muitos.
Sem escritório fixo, o provável parceiro de candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) frequenta mesas de estabelecimentos na capital paulista para conversas com aliados políticos e movimentos sociais a fim de formatar seu papel na candidatura ao Planalto e em um eventual governo.
O café como hábito e a assiduidade em padarias acompanham o ex-filiado do PSDB desde os mandatos como governador de São Paulo e nas campanhas que disputou, mas o ritmo se intensificou desde que começou a se preparar para o pleito deste ano.
Fotos compartilhadas em redes sociais por interlocutores mostram Alckmin com antigos companheiros e também com membros de sua nova turma, após sua aproximação ao PSB —sigla à qual deve se filiar até o fim da semana que vem— e a grupos tradicionalmente vinculados à esquerda.
Os papos, que não cessaram nem mesmo durante o Carnaval, têm sido usados por ele para explicar a velhos conhecidos as razões que o levaram à surpreendente aliança com o ex-rival Lula, além de prospectar palanques para seu grupo na eleição ao Governo de São Paulo.
A lista de convidados para um café já incluiu representantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da Aliança Nacional LGBTI+, o vereador Eduardo Suplicy (PT-SP), o presidente do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva (que o convidou para se filiar), e o senador Dario Berger (MDB-SC).
E ainda: a porta-voz da Rede Sustentabilidade em São Paulo, Mariana Lacerda, o presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Dimitri Sales, o ex-governador de Alagoas e ex-presidente nacional do PSDB, Teotônio Vilela Filho, e o deputado estadual Caio França (PSB-SP).
Alckmin, que já se deu a alcunha de “cafezeiro”, conforme registrou a Folha em 2018, também coleciona momentos de prosa com pré-candidatos a deputado estadual e federal do interior paulista, muitos deles novatos, e líderes de entidades de classe.
O perfil heterogêneo dos convivas reflete o arco amplo que Lula está tentando erguer em torno de sua tentativa de um terceiro mandato, com uma frente que una segmentos da esquerda à direita moderada. O ex-presidente tem dito que precisará formar um mutirão para conseguir governar.
A impressão que Alckmin tem deixado após os cafés é a de que se prepara para martelar na campanha o discurso da necessidade de conciliação de forças necessária para superar o governo de Jair Bolsonaro (PL), justificativa também apresentada para sua dobradinha com o PT.
Além disso, ao ouvir demandas diversas, ele indica querer se distanciar da figura de “vice decorativo”, no caso de o projeto sair vitorioso das urnas. A promessa de protagonismo e participação nos rumos do governo foi um dos pontos colocados por Lula que o atraíram para a aventura.
Aliados refutam a interpretação de que o possível candidato a vice, associado à imagem de conservador, esteja em busca de uma camuflagem artificializada no ambiente de esquerda. Afirmam que ele sempre manteve relações institucionais com o campo progressista e foi atento às minorias.
Quase sempre com um caderno a postos, ao lado do celular, o ex-governador costuma anotar pedidos e pontos importantes das conversas nas padarias. Ele tem frisado a necessidade da volta do crescimento econômico e da geração de empregos, questões caras à candidatura nacional.
Com as sugestões colhidas aqui e ali, a ideia é que o ex-tucano possa contribuir para o plano de governo petista, levando clamores de setores sociais e econômicos.
“As oportunidades que o Brasil perdeu nas últimas décadas” e a “reconstrução do país” foram a tônica do encontro com o senador Berger, que é pré-candidato ao governo catarinense e cogita ir para o PSB.
“O diálogo fortaleceu as principais bandeiras que deverão ser defendidas nas próximas eleições, com um conjunto de ações, obras e projetos que coloquem o nosso país e o nosso estado nos trilhos do desenvolvimento econômico e social”, escreveu ele, ao postar registro do momento, no último dia 27.
As agendas movidas a cafeína são feitas sem muita cerimônia, em estabelecimentos com grande circulação de pessoas, normalmente na zona sul de São Paulo, região onde Alckmin reside.
Já as tratativas reservadas para sua adesão a Lula e agendas com políticos mais expostos vêm ocorrendo em locais fechados, como sedes de partidos, restaurantes e apartamentos de aliados.
A reunião que fez dias atrás com Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por exemplo, foi em uma cantina na região dos Jardins (zona oeste). O senador entrou na coordenação da campanha presidencial de Lula.
Nas últimas semanas, o governador marcou a maior parte das conversas em uma padaria próxima ao prédio onde mora, na Vila Progredior (zona sul), e em outra no Itaim Bibi (zona oeste), nas imediações do escritório da filha Sophia. A influenciadora digital também empresta a sala ao pai esporadicamente.
Funcionários de ambas as “padocas” estão familiarizados com a presença do ex-tucano, com suas anedotas, piadas e casos que remetem à raiz caipira de Pindamonhangaba (SP).
Ele gasta R$ 6 na padaria perto de sua casa e R$ 7 na outra para tomar um café expresso, seu único pedido na maioria das vezes, adoçado com açúcar. Em outras ocasiões, a comanda inclui água e, quando faz calor, uma latinha de Coca-Cola.
O tom de voz já normalmente contido fica ainda mais baixo quando Alckmin quer falar de algo mais sensível ou que exige discrição. Mas convidados aclimatados ao estilo dele normalmente nem esperam alguma confidência ou observação cortante.
O linguajar diplomático, com palavras lentamente pronunciadas e sem arroubos retóricos —características que estão na origem do apelido “picolé de chuchu”, alusão a algo insosso—, permanece inabalável, segundo relatos de quem se sentou à mesa com ele recentemente.
O estilo por vezes lacônico, acentuado nos últimos tempos diante das especulações sobre sua saída do PSDB e depois sobre sua dobradinha com o PT, é mantido mesmo nas conversas privadas. Até amigos têm dificuldade de arrancar dele informações objetivas.
Interlocutores consultados pela Folha dizem, sob reserva, que nunca escutaram de sua boca a afirmação clara de que está apalavrado com Lula para ser seu vice. O foco nos assuntos de âmbito nacional e o entusiasmo com a empreitada, no entanto, confirmam a intenção.
Alckmin não é o tipo de político que discute hipóteses em público e, em 50 anos de carreira, sempre preferiu fazer anúncios após ter algo palpável, seja acordo político ou medida de gestão. Sem isso, ele apenas emite sinais, com falas evasivas ou até enigmáticas.
Quando indagado sobre a parceria com o petista, a resposta costuma ser parecida com a que ele deu ao apresentador Marcio Moraes, que o encontrou há alguns dias na padaria do Itaim Bibi e aproveitou para gravar um vídeo curto para suas redes sociais.
“Geraldo, o povo quer saber: tá firme na vice?”, perguntou o comunicador, conhecido por programas de viagens na TV. “É… Não… Essa é uma decisão mais para a frente ainda, Marcio”, despistou o ex-tucano.
“Mas quero dizer da nossa disposição de ajudar o Brasil, trabalhar, recuperar emprego e renda, que é o que interessa para a nossa população. O foco é controlar a inflação, diminuir a carestia, retomar o desenvolvimento e diminuir desigualdade. Esse é o desafio”, concluiu.
Os comentários na postagem se dividiram entre mensagens de apreço e de decepção pela inusitada parceria com Lula. “Você queimou seu filme”, escreveu um usuário.
Pessoalmente, entretanto, não há notícia de hostilidades ao ex-governador nos locais públicos que mais visita. As reações dos clientes vão da indiferença à tietagem. Apesar de não se esforçar para ser notado, ele aparenta ficar envaidecido ao receber elogios, afirmam pessoas de seu entorno.
Alckmin retomou com mais afinco as negociações políticas em meados de 2020, após digerir seu fracasso na campanha presidencial de 2018 (quarta colocação, com 4,76% dos votos válidos) e passar um tempo dedicado à medicina, sua profissão original, e às salas de aula, como professor e aluno.
A princípio, os papos de padaria eram para tratar de uma candidatura ao governo paulista. O então tucano liderava as pesquisas para o Palácio dos Bandeirantes, do qual pretendia desalojar a corrente ligada ao governador João Doria (PSDB), que foi seu afilhado político e hoje é desafeto.
Com o surgimento da hipótese nacional e a guinada nos planos, a chapa esquentou.
Superada a incredulidade inicial dos aliados com o flerte, o cardápio passou a contar com os dois temas. O ex-tucano trabalha para que ao menos parte de seu grupo político no PSDB migre com ele para a órbita de Lula, cujo pré-candidato ao governo é o ex-prefeito Fernando Haddad.
A expectativa é que Alckmin peça votos no estado para o petista, com a eventual retirada de Márcio França (PSB). Um dos focos será atrair o apoio de alas, no tucanato e fora dele, refratárias a Doria, que deverá endossar na disputa o nome de Rodrigo Garcia (PSDB).
Correligionários mais afoitos e otimistas já pressionam Alckmin a viajar de Brasília para São Paulo aos fins de semana para, como vice-presidente, rodar o interior, falar com prefeitos e manter sua base energizada. Haja cafezinho.
Fonte Folha de São Paulo