Uma ala de tucanos insatisfeita com a candidatura de João Doria (PSDB) à Presidência da República decidiu ampliar a pressão pela desistência do governador paulista, que venceu as prévias do partido em novembro, mas marca apenas 4% de intenções de votos nas pesquisas.
Em uma reunião na casa do ex-ministro Pimenta da Veiga, um dos fundadores do PSDB, tucanos que apoiaram nas prévias o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), discutiram saídas para o partido na noite de terça-feira (8).
O encontro foi tratado por aliados de Doria como uma conspiração e um segundo turno da eleição interna tucana. O presidente do partido, Bruno Araújo, que também é coordenador da campanha do governador, afirmou que não é o momento de cobrar desempenho do pré-candidato.
Participaram da reunião, além de Leite, os senadores José Aníbal (SP) e Tasso Jereissati (CE) e o deputado federal Aécio Neves (MG), rival de Doria na sigla.
Entre as opções aventadas pelo grupo está a tentativa de viabilizar a candidatura de Leite, seja no PSDB ou no PSD, que vem sondando o governador gaúcho, ou apoiar a senadora Simone Tebet (MS), presidenciável do MDB.
A avaliação do grupo é a de que Doria não tem nenhuma viabilidade, está caindo nas pesquisas, vai mal mesmo em estados do Sudeste e que a inquietação em relação à sua candidatura cresce no partido —afetando candidatos nos estados e a bancada federal.
Como mostrou o Painel, a saída de deputados do PSDB nos próximos meses pode atingir mais de um terço da bancada, de 32 representantes.
A resposta de aliados de Doria à reunião desta terça foi dura. “O PSDB escolheu Doria em prévias históricas como nosso candidato a presidente. Não tenho nenhuma dúvida de que o compromisso com a democracia é o principal pilar do partido. Por isso, avançamos a cada dia como a melhor alternativa para o Brasil. Os cães ladram e a caravana passa”, tuitou o presidente do PSDB-SP, Marco Vinholi.
“A conspiração do grupo de perdedores contra o vencedor das prévias e candidato à Presidência do Brasil pelo PSDB, João Doria, demonstra que a derrota lhes subiu à cabeça. É uma tentativa amadora de golpe, um ataque infantil ao processo democrático. É uma tentativa de tapetão”, publicou o presidente da Assembleia de São Paulo, deputado Carlão Pignatari (PSDB).
“Os rebeldes do PSDB, partido que tem a democracia em seu nome, precisam urgentemente entender que não há hipótese de segundo turno das prévias. Ao invés de se reunirem para planejar o futuro do Brasil, se juntam para tentar sabotar o próprio partido, mesmo diante de inflação, fome e desemprego em franca expansão. Uma pena”, escreveu o secretário da Casa Civil, Cauê Macris (PSDB).
Na manhã desta quarta (9), Araújo divulgou uma nota dizendo valer “o reconhecimento ao resultado de um processo interno que escolheu João Doria“.
“Seguimos firmes na nossa candidatura presidencial e dialogando com outros partidos na possibilidade de uma convergência política densa e capaz de nos levar ao segundo turno das eleições presidenciais”, completou.
“Na política tudo tem um tempo. É legítimo solicitar desempenho de qualquer candidatura, mas, para que haja credibilidade nesses propósitos, o tempo precisa ser respeitado. Não é o momento para essa cobrança”, escreveu o presidente da sigla.
“Nesse instante, além de estarmos no início da estruturação da campanha, estamos na fase inicial de construção de possíveis federações partidárias que potencializam as chances de quebrar uma polarização política que não faz bem à sociedade brasileira”, segue o texto de Araújo.
De maneira reservada, tucanos estimam que Doria tem até o meio do ano para demonstrar crescimento nas intenções de voto —ou o partido pode realmente não segurar sua candidatura.
Ainda na terça, Araújo divulgou que nenhum tucano seria obrigado a votar em quem quer que seja. “O que se espera é que, estando na mesma agremiação política, haja compromisso com um projeto coletivo. Ninguém manda em voto de ninguém e todos que que fazem parte de um partido político o são por livre e espontânea vontade”, declarou.
Na segunda-feira (7), a executiva do PSDB renovou, por unanimidade, o mandato de Araújo no comando da sigla por mais um ano, até maio de 2023. Os mandatos dos diretórios estaduais também foram renovados.
A ideia foi evitar uma nova disputa interna no partido logo após as prévias, mas desta vez a respeito da presidência da legenda, principalmente durante o ano eleitoral, quando os esforços devem ser dedicados à construção de chapas.
O movimento de encontrar um caminho para tornar Leite presidenciável ainda no PSDB seria ousado e não há certeza de como fazê-lo, segundo um apoiador do gaúcho. Há o receio de ampliar o racha interno das prévias, mas Leite é considerado mais competitivo e com espírito novo para essa ala do partido.
Nos bastidores, tucanos afirmam que Leite está disposto a concorrer ao Planalto. Parte do PSDB vê nele e em Tebet figuras mais agregadoras para unificar a chamada terceira via e tentar quebrar a polarização entre o ex-presidente Lula (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL).
A hipótese Tebet, como mostrou a Folha, já teve declarações públicas de apoio por parte de Aníbal e Tasso. O PSDB e o MDB estão em tratativas para uma federação, o que obrigaria que Doria ou Tebet retirasse a candidatura, mas dirigentes das siglas admitem que a aliança duradoura dificilmente vingará.
Embora Tebet esteja atrás de Doria nas pesquisas, tucanos apontam que ela tem margem para crescer, enquanto Doria esbarra em sua alta rejeição. Reportagem da Folha mostrou a dificuldade do governador em agregar apoios na terceira via —entre MDB, Podemos, União Brasil e PSD.
A possível aliança de Doria em estágio mais avançado é com o Cidadania, que também estuda a federação com o PSDB —o que também obrigaria a unificação com o presidenciável do partido, senador Alessandro Vieira (SE).
Na segunda-feira, Doria se reuniu com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que é tida como uma possível candidata a vice na chapa do tucano caso a federação com o Cidadania saia do papel.
Já Aécio, por exemplo, é um dos que defende que o PSDB não lance candidato próprio à Presidência, o que faria sobrar mais verba do fundo eleitoral para os candidatos ao Congresso. Outros aliados de Leite, no entanto, afirmam ser difícil que o partido não tenha um nome nas urnas.
Enquanto Doria tem dificuldade de emplacar sua candidatura entre as alas históricas do PSDB, Lula tem se aproximado desse grupo, como mostrou a Folha.
O ex-presidente deve formar chapa com Geraldo Alckmin (sem partido) como candidato a vice e esteve recentemente com o ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira, com o ex-governador de Goiás Marconi Perillo, com o ex-senador Arthur Virgílio (AM) e com Tasso.
Lula também encontrou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em maio do ano passado. Diante de notícias de uma possível nova reunião entre eles, prevista para o mês passado, FHC voltou a ressaltar publicamente seu apoio à candidatura de Doria.
Fonte: Folha de São Paulo/Carolina Linhares