Deutsche Welle – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve no debate presidencial da TV Globo nesta sexta-feira (28/10) um desempenho melhor do que o da TV Bandeirantes, há duas semanas, em termos de gestão de tempo, conteúdo e postura, mas escorregou ao dar tanta atenção ao tema da política externa. Já o presidente Jair Bolsonaro, por mais que não tenha se exaltado como às vezes faz no cercadinho do Palácio da Alvorada, adotou um discurso mais voltado à sua base e sem tanto apelo para o eleitor indeciso.
A avaliação é da cientista política Beatriz Rey, pesquisadora da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, e do Núcleo de Estudos sobre o Congresso do IESP-UERJ. Ela é cética sobre o potencial de debates televisivos para definir votos, mas considera que Lula se saiu melhor que o presidente, inclusive para atingir o eleitor mais pobre que ainda não definiu seu candidato.
Ela diz que Lula conseguiu fugir de embates mais diretos com Bolsonaro – que abriu o debate na ofensiva – e adotou uma forma mais eficiente de responder às tentativas do presidente de mobilizar o antipetismo pelo tema da corrupção. Quando Bolsonaro citava escândalos como o Mensalão, desta vez o petista rebatia com referências à compra de imóveis com dinheiro vivo pelo clã Bolsonaro em vez de falar do orçamento secreto, um tema de compreensão mais difícil pelo eleitor, segundo Rey.
Já o presidente, diz, teria desperdiçado a chance de falar aos indecisos ao usar um discurso mais voltado aos seus apoiadores tradicionais, repetindo bordões como “Deus, Pátria, Família e Liberdade“.
Qual era o objetivo de cada um dos candidatos no debate?
Pensando nas pesquisas, o objetivo de Bolsonaro era angariar votos, o que acho que não deve ter acontecido. Para Lula, era manter a liderança que vem demonstrando nas pesquisas, e isso acho que ele alcançou.
O que identificou na estratégia de Lula?
Ele fez uma gestão de tempo muito melhor. No último debate, havia feito uma gestão do tempo tão ruim que teve um momento em que o Bolsonaro teve três minutos para falar sozinho. Isso não aconteceu hoje.
Lula também tentou pautar bastante a discussão sobre política pública. Não conseguiu porque a conversa não andou por esse lado, mas teve uma uma tentativa de pautar pela política pública e não pelos memes, pelas fake news. Ele tentou fugir disso.
Lula também tentou colar em Bolsonaro a imagem de descontrole. Teve algum sucesso?
Um pouco. Em todas as imagens está o ex-presidente Lula dando uma risada, sendo irônico, e o presidente Bolsonaro numa postura corporal dura, desconfortável. Mas não acho que Bolsonaro tenha se descontrolado totalmente, como a gente está acostumado a vê-lo no cercadinho do Alvorada com jornalistas.
Também chamou a atenção que a primeira coisa que o Lula fez foi falar com o eleitor que está em casa, dizer “olha, obrigado, estamos aqui…”, enquanto Bolsonaro foi direto atacar o ex-presidente.
Que pontos você destacaria da performance de Lula?
O ponto alto foi a discussão sobre a pandemia, foi bem colocado, sobre uma das principais falhas da gestão Bolsonaro. Também achei positivo que ele tenha começado o debate falando sobre o salário mínimo, porque nesta semana vimos que isso teve impacto no eleitorado, a proposta do Paulo Guedes de não reajustar o salário mínimo.
E teve alguns pontos baixos, como falar de política externa. Isso não só não dá voto como abre a possibilidade para que Lula seja acusado de defender ditaduras de esquerda.
E que pontos você destacaria de Bolsonaro?
Foi mais do mesmo, insistiu em temas que ele acha que mobilizam a base. Falou do [traficante] Marcola, atacou a imprensa. Não acho que tenha conseguido fazer uma movimentação mais ao centro e atingir o eleitor indeciso.
Um ponto baixo foi quando ele tinha dez segundos adicionais e falou “Deus, Pátria, Família e Liberdade”. Isso para mim é falar diretamente com a base, não tem ganho nenhum do ponto de vista eleitoral a esta altura do campeonato.
Bolsonaro também tentou bastante associar a corrupção ao PT, chamou Lula de ladrão.
Mas recebeu de volta desta vez. No último debate, Lula não tinha nem falado dos imóveis comprados [pela família Bolsonaro] com dinheiro vivo. O orçamento secreto nem entrou no debate hoje, a fala do Lula sobre corrupção de Bolsonaro foi focada na questão dos imóveis, que tem mais concretude para o eleitor, dizer que todos aqueles imóveis tenham sido comprados com dinheiro vivo. Acho que é mais fácil para o eleitor processar. Quando Bolsonaro vinha com a questão do ladrão, Petrolão, Mensalão, ele recebia isso como resposta, trouxe à família dele à tona.
Quem foi melhor para convencer os indecisos?
Não acho que debate muda voto. Mas, se mudar, quem se saiu melhor nesse debate foi o ex-presidente, inclusive para o eleitor mais pobre. Quando veio a discussão sobre pobreza, Bolsonaro não conseguiu mostrar que tem essa preocupação. E o que aconteceu nesta semana foi importante, a questão sobre o não reajuste do salário mínimo. Se tiver algum impacto, imagino que seja positivo para o ex-presidente Lula, que desta vez não se descontrolou, conseguiu manter a compostura e fez uma gestão de tempo e de conteúdo melhor do que no debate da Band.
Fonte: DW Brasil