hefes regionais da estatal federal Codevasf têm usado as redes sociais para promover políticos autores de emendas parlamentares escoadas à empresa pública para a realização de obras e doação de equipamentos em seus redutos eleitorais.
Entre os padrinhos de emendas favorecidos pela divulgação estão dois dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL): o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Também fazem parte da lista congressistas investigados no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo suposto desvio de recursos de emendas, como os deputados Josimar Maranhãozinho, Pastor Gil e Bosco Costa.
A propaganda feita pelos superintendentes regionais da Codevasf acontece por meio de posts nas redes sociais dos servidores públicos. Nas publicações também são divulgados os endereços dos perfis oficiais dos políticos na internet.
Especialistas ouvidos pela Folha apontam que as postagens podem ferir tanto o princípio de impessoalidade da administração pública quanto gerar questionamentos na esfera eleitoral.
A própria Codevasf tirou de seu site as obras e doações de equipamentos que continuam nos perfis dos chefes regionais. Procurada pela Folha, a estatal afirmou que se manifesta por canais oficiais e que as publicações são de caráter pessoal.
A Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) é uma estatal entregue por Bolsonaro ao controle do centrão em troca de apoio político. Os cargos de superintendentes regionais da estatal, em alguns casos, são ocupados por pessoas próximas dos próprios parlamentares.
Em Alagoas, o ex-deputado estadual João José Pereira Filho, conhecido como Joãozinho Pereira, hoje superintendente da Codevasf no estado, usa suas redes para promover emendas do presidente da Câmara e seu primo, Arthur Lira.
“A Codevasf Alagoas, dentro da ação AQUI TEM TRABALHO DA CODEVASF, com investimentos da ordem de R$ 795 mil, proveniente de emenda do @oficialarthurlira, começou o trabalho de pavimentação em paralelepípedo de vias no município de Arapiraca”, escreveu em um dos posts.
Já em Pernambuco, o superintendente da Codevasf em Petrolina (PE), Aurivalter Cordeiro, coleciona fotos e homenagens ao senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Ele também faz questão de relatar nas suas redes os repasses obtidos por meio de emendas parlamentares.
Em janeiro, por exemplo, ele postou uma foto ao lado do senador, com quem diz ter passado por vários municípios do sertão pernambucano vistoriando obras, “com recursos orçamentários de sua autoria”.
No Maranhão, o superintendente regional Celso Dias usa as redes sociais desde março de 2021, logo após assumir o cargo. Ele transformou as instalações da Codevasf em um cenário para fotos e vídeos com diversos congressistas, inclusive de oposição.
As imagens mostram os parlamentares ao lado de carrinhos de mão, caixas térmicas, máquinas de fabricar gelo, freezers, barcos de alumínio, caixas d’água, tratores, caminhões e escavadeiras.
Entre os parlamentares citados, aparecem alvos da Polícia Federal em inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre desvio de emendas parlamentares.
São os deputados federais Josimar Maranhãozinho e Pastor Gil, que já foram alvo de operação da PF em março passado. A ação envolveu também o deputado Bosco Costa.
Há indícios, segundo os policiais, de propina em valor equivalente a 25% das verbas enviadas ao Maranhão por meio de emendas.
Em um post de 26 de outubro, com foto de Maranhãozinho, Dias afirma: “A Prefeitura de Nova Iorque-MA recebeu da Codevasf 1 veículo tipo van para auxiliar no transporte de trabalhadores rurais dos povoados à sede do município. Emenda parlamentar do dep. fed. Josimar Maranhãozinho”. No dia 5 de maio deste ano, a foto foi com o deputado Pastor Gil.
Já Marcos Alves Filho também adota a prática em Sergipe, onde atua como superintendente da estatal. Em um dos posts, cita pavimentação de ruas no estado e o deputado federal Bosco Costa.
“Me parece haver uma ofensa ao princípio da impessoalidade e publicidade dos atos administrativos”, diz o advogado Giuseppe Giamundo Neto, especialista em direito administrativo.
Ele afirma que, embora os perfis sejam pessoais, são usados para a divulgação de atos do órgão público, seja pela nomenclatura usada nas páginas quanto na formatação em que há a divulgação.
Os servidores, por exemplo, identificam seus cargos ali e em alguns casos divulgam um material pré-formatado com nome da Codevasf.
A reportagem perguntou à Codevasf se usa servidores para produzir o material de divulgação que vai parar nas redes dos superintendentes, mas não obteve resposta sobre este ponto.
O advogado eleitoral Renato Ribeiro de Almeida diz que é necessário analisar caso a caso, mas que esse tipo de atitude também poderia render questionamentos por abuso de poder político.
Mesmo que não leve nomes de políticos, é proibida a divulgação de publicidade institucional no período de três meses que antecede as eleições, diz o ex-procurador regional eleitoral em São Paulo Pedro Barbosa Pereira Neto.
“A lei 9.504 de 1997, conhecida como lei das eleições, fala em agente público em amplo senso. Penso que se trata de conduta vedada, mas os dirigentes da Codevasf atuam de maneira disfarçada, mas nem por isso menos ilegal”, afirma o procurador.
A Codevasf afirma que “mantém comunicação com a sociedade em redes sociais exclusivamente por meio de perfis oficiais e de acordo com a legislação em vigor”. “Manifestações de profissionais da empresa em perfis pessoais em redes e plataformas digitais possuem caráter individual”, diz a estatal.
Procurado, Fernando Bezerra Coelho não comentou os posts divulgando as emendas. Já o presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou que o fato de a reportagem procurá-lo para falar sobre atos de terceiros “uma demonstração da forma enviesada com que este veículo conduz sua cobertura sobre mim”.
“Feita essa ponderação, posso me manifestar apenas por hipótese. Creio que o objetivo do superintendente tenha sido dar publicidade à aplicação de recursos e divulgar para a sociedade local. Há mecanismos de fiscalização que podem averiguar se há algum desvio de conduta por parte não só do superintendente, mas de todo e qualquer servidor público municipal, estadual e federal.”
Philipe Benoni, advogado do deputado Pastor Gil, afirmou que “inexiste qualquer indício consistente apto a comprovar o suposto percentual sobre emendas parlamentares”.
A reportagem procurou também os deputados Bosco Costa e Josimar Maranhãozinho. O primeiro não respondeu a questionamentos da Folha e o segundo não foi localizado.
Fonte: Folha de São Paulo