A inação do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do procurador-geral da República, Augusto Aras, em relação a Jair Bolsonaro (PL) é fator determinante para explicar o quadro de impunidade conferido ao presidente.
Bolsonaro soma mais de 140 pedidos de impeachment contra si, um recorde comparado aos demais presidentes. Lira, a quem cabe dar andamento ou arquivar esses pedidos, tem se omitido.
O mesmo é possível dizer em relação a Aras, que tem como prerrogativa o oferecimento de denúncia contra o chefe do Executivo e também tem deixado de agir diante de inúmeros pedidos de investigação na seara penal. Bolsonaro coleciona ameaças golpistas em seu mandato.
Lira e Aras, mesmo após reações de diversas entidades e instituições, seguem em silêncio mais de 48 horas após o presidente repetir teorias conspiratórias e mentiras sobre as urnas eletrônicas, tentar desacreditar o sistema eleitoral e atacar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) em encontro com embaixadores que ele mesmo organizou no Palácio da Alvorada.
Já há um pedido no STF, apresentado pela oposição, para que o evento com os embaixadores seja investigado. Em ofício nesta terça-feira (19), procuradores da República se manifestaram cobrando Aras.
Para a presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Marina Coelho Araújo, a postura do PGR é de omissão, mas não há meio legal para responsabilizá-lo por isso. “Essa reunião do Bolsonaro com embaixadores ofende a democracia brasileira, e a Procuradoria não toma nenhuma atitude.”
Gabriela Zancaner, professora de direito constitucional da PUC-SP, concorda. “O melhor adjetivo que a gente pode dar é conivente”, diz.
“A gente viu desde a posse de Jair Bolsonaro até agora uma série de atos que são, não só atos antidemocráticos, mas atos inclusive contra a saúde pública e que não houve medidas mais enérgicas por parte daquele que seria o fiscal da lei.”
Além de não atuar de modo proativo, em diferentes pedidos de investigação de condutas de Bolsonaro, a PGR opinou de modo contrário.
Um exemplo recente foi o parecer da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, braço direito de Aras na PGR, afirmando que os ataques às urnas eletrônicas feitos por Bolsonaro em uma outra solenidade oficial, desta vez no Palácio do Planalto, estavam protegidos pela liberdade de expressão.
No evento, com transmissão pela TV Brasil, o chefe do Executivo afirmou que a apuração é feita em uma “sala secreta do TSE” e defendeu uma totalização paralela pelas Forças Armadas.
O pedido de apuração analisado afirmava que o presidente cometera crime de peculato, prevaricação, interrupção do processo eleitoral e tentativa de impedir ou restringir o exercício dos Poderes.
Outra estratégia adotada por Aras é abrir as chamadas apurações preliminares, o que acaba sendo visto como uma forma de postergar medidas concretas sem o peso de arquivar os pedidos.
Em dezembro, ele informou ao STF que havia aberto 25 apurações do tipo para averiguar condutas do presidente ao longo de 12 meses.
Também a condução de Aras frente às conclusões da CPI da Covid é criticada, uma vez que ainda não agiu para responsabilização do presidente ou de figuras centrais do governo.
O ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, por exemplo, destaca como grave o fato de Bolsonaro não ter sido incluído por Aras no pedido de investigação que deu origem ao inquérito dos atos antidemocráticos em abril de 2020.
Na ocasião, em meio a embates com o Congresso e o STF e já no contexto da pandemia, o presidente discursou em tom exaltado diante do quartel-general do Exército, para uma aglomeração de pessoas que apoiavam a intervenção militar no Brasil e o fechamento do STF.
Em entrevista à Folha no ano passado, questionado se caberia alguma providência quanto às falas de Bolsonaro sobre urnas, Aras disse que o jornalismo poderia estar surpreso com a diferença de “um procurador que não aceita fazer política”, mas que “tem compromisso em cumprir a Constituição e as leis”.
Apesar de a PGR por si só estar sendo uma barreira à responsabilização do presidente, em caso de oferecimento de denúncia, uma segunda barreira seria a Câmara dos Deputados, que teria que dar aval para que ele fosse processado por crime comum –enquanto ele ocupar a Presidência.
Lira, por sua vez, chegou à Presidência da Câmara como candidato de Bolsonaro e, com as chamadas emendas de relator do Orçamento, tem tido cada vez mais poder sobre a destinação de recursos públicos.
Representante do bloco político conhecido como centrão, o deputado se tornou figura chave para a permanência do mandatário no posto, assim como para o avanço de pautas de interesse do governo.
Como o impeachment é um processo de cunho jurídico e político, por ser feito pelo Congresso Nacional, o presidente da Câmara argumentou em diferentes momentos que não via disposição por parte dos deputados e senadores para que ele avançasse, ainda que fosse pautado.
Para que o processo seja autorizado, é preciso do voto de 342 deputados. A instauração e o julgamento ocorrem no Senado, onde é preciso o voto de 54 dos 81 senadores para que o presidente perca o mandato.
Dentre os pedidos de maior repercussão, estão o apresentado após a CPI da Covid e um protocolado por parlamentares de oposição e chamado de superpedido por reunir 120 solicitações em um único documento que incluiu mais de 20 acusações.
O trabalho da comissão foi ironizado por Lira meses antes da conclusão do trabalho. Em relação ao superpedido ele indicou que não via materialidade na ação.
Ainda que novos pedidos sejam apresentados, com o governo já na reta final deste mandato e próximo à eleição, tal via de responsabilização já é considerada inexistente.
Rafael Mafei, professor da Faculdade de Direito da USP e autor do livro “Como Remover um Presidente”, diz que os partidos já estão posicionados para o pleito considerando Bolsonaro como presidente.
“Um impeachment bagunçaria todas as articulações políticas, inclusive no nível estadual, que já foram feitas até aqui. Obrigaria todas as campanhas a mudar sua estratégia. Não vejo qualquer interesse para que esse arranjo se altere.”
Diante da inação de Lira, ao longo do mandato de Bolsonaro ações foram apresentadas ao STF com intuito de que fosse dado prazo ao presidente da Câmara para ao menos analisar os pedidos e, no caso, arquivá-los ou recebê-los. Um projeto de lei nesse sentido também foi apresentado pela CPI da Covid.
Também houve iniciativas no sentido de diminuir o poder do procurador-geral da República em relação à responsabilização do presidente, mas, assim como no caso de Lira, nenhum desses movimentos prosperou.
Fonte: Folha de São Paulo