O governo Jair Bolsonaro (PL) usou R$ 375,9 milhões de sobras do Bolsa Família para cobrir despesas das Forças Armadas.
A verba foi remanejada no fim de 2021 e bancou desde auxílio-moradia de militares a projetos estratégicos do Ministério da Defesa, como o Astros 2020, um sistema de lançadores múltiplos de mísseis.
O dinheiro pode ser aplicado nos gastos militares após o Congresso flexibilizar o destino do saldo do programa de transferência de renda que foi substituído pelo Auxílio Brasil.
A Folha mostrou que R$ 90 milhões em verbas originalmente reservadas ao Bolsa Família foram usadas para compra de tratores a aliados de Bolsonaro.
No total, o governo remanejou cerca de R$ 18,8 bilhões do programa a outras ações. Quase metade dessa cifra custeou as primeiras parcelas do Auxílio Brasil —a aposta do governo para a reeleição de Bolsonaro.
O resto ficou livre para cobrir praticamente qualquer gasto do governo. A Economia repassou via Lei de Acesso à Informação à Folha os dados sobre o destino destes recursos.
No caso dos militares, a maior parcela (R$ 130 milhões) foi usada para manutenção e suprimento de material aeronáutico.
A ação orçamentária para compra de combustíveis e lubrificantes de aviões recebeu R$ 55,4 milhões.
Entre outras despesas, a “implantação do Sistema de Aviação do Exército” levou R$ 45,6 milhões, enquanto R$ 34 milhões foram aplicados no Astros 2020.
A Defesa ainda recebeu R$ 20,88 milhões para bancar a movimentação de militares e R$ 2,7 milhões para ajuda de custos ou auxílio-moradia.
O governo conseguiu uma economia no Bolsa Família ao lançar o Auxílio Emergencial, porque alguns beneficiários tiveram o pagamento do programa de transferência de renda suspenso e receberam apenas recursos da ação criada na pandemia.
O uso desse recurso chegou a ser limitado pelo TCU (Tribunal de Contas da União). O órgão determinou, em 2020, que a verba só poderia bancar despesas com a pandemia ou para a assistência social, mas o Congresso flexibilizou a regra.
Em nota, a Economia disse que o valor enviado às Forças Armada foi autorizado pela JEO (Junta de Execução Orçamentária) e corresponde a menos de 4% da sobra do Bolsa Família.
Durante o governo Bolsonaro, o Ministério da Defesa cobrou da Economia, diversas vezes, mais verba. O então ministro Braga Netto afirmou, em ofício de junho de 2021, que as Forças Armadas estavam sucateadas, como mostrou a Folha.
Apesar das reclamações, os militares brasileiros escaparam do aperto salarial aplicado sobre os gastos com o funcionalismo na gestão Bolsonaro.
A cúpula das Forças Armadas tem feito seguidos gestos de alinhamento ao presidente.
Como mostrou a Folha, após silêncio de 25 anos sobre as urnas eletrônicas, a Defesa apresentou dezenas de questionamentos e sete sugestões principais de mudanças nas regras das eleições.
Patrocinada pela própria corte eleitoral, a entrada dos militares no debate sobre o pleito deu munição para Bolsonaro promover ataques ao processo eleitoral.
Bolsonaro tem afirmado que ele mesmo, por ser presidente da República, passou a participar do debate sobre as eleições com o espaço dado aos militares.
“Eles [TSE] convidaram as Forças Armadas a participarem do processo eleitoral. Será que esqueceram que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Bolsonaro?”, disse o presidente no fim de abril, quando promoveu um evento oficial no Planalto com ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal).
SOBRAS BANCAM VACINAS E COMBATE ÀS DROGAS
Os dados da Economia ainda apontam que R$ 1,36 bilhão do saldo do programa alimentou a ação orçamentária sobre a compra de vacinas da Covid.
De forma genérica, o governo também informou que R$ 3,74 bilhões foram usados em “diversas unidades orçamentárias”.
O governo também aplicou R$ 78 milhões na ação de “redução da demanda de droga”, do Ministério da Cidadania.
De forma geral, essa parte do Orçamento banca as ações das comunidades terapêuticas. Essas entidades religiosas se tornaram a aposta do governo Bolsonaro no tratamento de dependentes químicos, mas recebem críticas de parte das organizações de defesa dos direitos humanos.
Dentro dessa rubrica da Cidadania, foram destinados R$ 24,5 milhões para ações da Secretaria de Estado de Trabalho do Distrito Federal, em ações de qualificação profissional e na compra de cestas básicas, segundo dados do Portal da Transparência.
Procurados, Cidadania e o governo do DF não explicaram se esses pagamentos têm relação com a “redução da demanda por droga”.
PRINCIPAIS DESPESAS DAS FORÇAS ARMADAS COM DINHEIRO DO BOLSA FAMÍLIA
R$ 130 milhões – manutenção e suprimento de material aeronáutico
R$ 55,4 milhões – compra de combustíveis e lubrificantes de aviões
R$ 45,6 milhões – implantação do Sistema de Aviação do Exército
R$ 34 milhões – programa Astros 2020, sistema de lançadores de mísseis
R$ 20,88 milhões – movimentação de militares
R$ 2,7 milhões – ajuda de custos ou auxílio-moradia
Fonte: Folha de São Paulo