As declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) com ataques a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e as ameaças sobre as eleições devem ser levadas a sério pelas instituições segundo a avaliação de 56% da população, mostra pesquisa Datafolha.
Uma parcela de 36%, entretanto, acha que as afirmações do mandatário não terão consequências, e 8% não sabem opinar.
O fato de a maioria dos brasileiros considerar importante uma reação às falas de tom golpista do chefe do Executivo contribui para elevar a pressão sobre os Poderes a quatro meses das eleições. Levantamento da Folha neste mês mostrou que autoridades têm se calado diante das atitudes de Bolsonaro.
A pesquisa Datafolha ouviu 2.556 eleitores acima dos 16 anos em 181 cidades de todo o país, na quarta (25) e quinta-feira (26). A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou menos. O levantamento está registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob o número BR-05166/2022.
A percepção majoritária é a de que os gestos de Bolsonaro que flertam com deslegitimação do sistema de votação, contestação do resultado das eleições e ruptura democrática não podem ser ignorados.
Embora a maioria dos partidos de oposição e independentes afirme que a conduta de Bolsonaro rumo ao golpismo deva ser encarada com seriedade, autoridades da República procuradas neste mês pela Folha se recusaram a comentar o assunto.
Entre os que não responderam estão os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Supremo, Luiz Fux, além do chefe do Ministério Público Federal, Augusto Aras.
O presidente, que busca a reeleição, está no segundo lugar em intenções de voto no Datafolha, com 27%, e perderia no primeiro turno para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem 48%, mas alcança em votos válidos (critério considerado pela Justiça Eleitoral) a marca de 54%.
No grupo de entrevistados de 16 a 24 anos, que nasceram após a redemocratização do Brasil e correspondem a 14% da amostra da pesquisa, a avaliação de que as ameaças precisam ser levadas a sério chega a 67%, ante 26% que minimizam sua gravidade; 8% nessa faixa etária não opinaram.
Já na parcela com 60 anos ou mais, as posições são mais equilibradas: 46% veem necessidade de reação, 45% acham que não haverá maiores efeitos e 9% não sabem.
Diferentemente do observado em outros aspectos da pesquisa, no caso das agressões de Bolsonaro há visões parecidas entre seu eleitorado e o de Lula. Tanto entre os que declaram voto no presidente quanto aqueles que apoiam o petista, 57% dizem que as instituições devem se posicionar.
A outra opção é defendida por 34% e 37%, respectivamente. A fatia dos que não sabem é de 9% entre bolsonaristas e de 5% entre lulistas.
Bolsonaro reforçou nos últimos meses seu arsenal de hostilidades ao Judiciário. Um dos símbolos da postura belicosa foi o indulto concedido por ele ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) após o parlamentar ser condenado pelo Supremo justamente por ataques a ministros da corte.
Em mais uma crise aberta com o tribunal, o presidente chegou a sugerir que pode descumprir eventual ordem do STF ao mencionar a discussão da corte sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas. Fazer isso é cometer crime de responsabilidade, passível de impeachment.
A ofensiva de Bolsonaro sobre o Judiciário, centrada sobretudo na figura do ministro do STF Alexandre de Moraes, tem como pano de fundo a tentativa de desestabilizar o pleito e não reconhecer eventual derrota para Lula. Moraes assumirá a presidência do TSE em agosto e estará à frente da corte nas eleições.
O atual titular do Palácio do Planalto disse nas últimas semanas que o magistrado “se comporta como o líder de partido de esquerda e de oposição” e é “totalmente parcial”.
O mandatário também afirmou que Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso —todos os três ministros do STF com atuação na corte eleitoral— “infernizam” o Brasil.
Dias antes desse ataque, Fachin, que é o atual presidente do TSE, havia feito um pronunciamento firme diante do imbróglio envolvendo a participação das Forças Armadas no processo eleitoral, após o convite da corte para que participassem da CTE (Comissão de Transparência Eleitoral).
“A Justiça Eleitoral está aberta a ouvir, mas jamais está aberta a se dobrar a quem quer que seja [sic] tomar as rédeas do processo eleitoral”, discursou Fachin. “A contribuição [das Forças] que se pode fazer é de acompanhamento do processo eleitoral. Quem trata de eleição são forças desarmadas.”
No início deste mês, Bolsonaro afirmou que uma empresa será contratada por seu partido, o PL, para fazer uma auditoria privada das eleições deste ano. E sugeriu, em tom de ameaça, que os resultados da análise podem complicar o TSE se a tal firma constatar que é “impossível auditar o processo”.
Em mais uma ameaça de radicalização, ele insinuou que o pleito pode ser conturbado se não ocorrer do jeito que ele deseja. “Imagine acabarmos as eleições e pairar, para um lado ou pro outro, a suspeição de que elas não foram limpas? Não queremos isso”, disse a empresários em São Paulo.
As queixas sobre o Judiciário têm a ver também com inquéritos em andamento no STF, desdobrados em investigações da Polícia Federal, mirando o próprio mandatário, seus filhos e aliados. As suspeitas vão desde propagação de notícias falsas até a formação de organização criminosa.
Apurações no âmbito do TSE escrutinam ainda a disseminação de mentiras sobre as urnas eletrônicas, como as que o chefe do Executivo espalhou em uma transmissão em vídeo pela internet em julho de 2021 recheada de teorias conspiratórias e suspeitas já desmentidas.
A pesquisa Datafolha também mostrou que a confiança do brasileiro nas urnas eletrônicas, em meio à ofensiva de Bolsonaro, caiu desde março, mas ainda é majoritária na população. No total, 73% responderam que confiam no sistema, enquanto 24% afirmam não confiar e outros 2% não sabem.
Ainda segundo o levantamento, a ilação de Bolsonaro de que pode haver fraude nas eleições associada a falhas de segurança no sistema de votação é endossada de alguma maneira por 55% da população.
Para 34%, há muita chance de que o pleito deste ano seja fraudado. Outra parcela de 21% responde existir um pouco de chance. Na contramão, 43% dos entrevistados acreditam ser nulo o perigo de manipulações, e 2% não sabem ou não opinaram.
Fonte: Folha de São Paulo