O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), entrou com um recurso no STF (Supremo Tribunal Federal) para que fique definido que é do Congresso a última palavra sobre a cassação de um mandato parlamentar.
A peça foi levada à corte no início da noite desta quarta-feira (20), mesmo dia que o STF condenou o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a uma pena de 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicialmente fechado, e decidiu cassar o mandato do bolsonarista.
O agravo foi apresentado dentro de uma ação de 2018 impetrada por Rodrigo Maia (PSDB-RJ), então presidente da Câmara. Na época, o STF condenou o ex-deputado Paulo Feijó (PP-RJ) e determinou a perda do cargo no Congresso, com a devida comunicação da decisão à Casa Legislativa para fins de mera declaração.
Feijó encerrou o mandado em janeiro de 2019, e a controvérsia não foi a julgamento. No último dia 5, o relator da matéria, ministro Luís Roberto Barroso, declarou a perda de objeto, sem análise de mérito. É contra essa decisão de Barroso que Lira recorre, para que o assunto seja deliberado pelo Supremo.
Lira avalia que a ação deve prosseguir por ir além do caso específico e para “impedir que prerrogativas constitucionais da Câmara dos Deputados sejam subtraídas”.
Diz um trecho do pedido: “O objeto da ADPF [nome dado à ação] permanece enquanto não reconhecida a impossibilidade de impor-se à Mesa da Câmara dos Deputados a mera declaração de reconhecimento da perda de mandato de Parlamentar em virtude de sentença penal transitada em julgado”.
Com o julgamento de Silveira, o assunto volta à tona. Parte dos integrantes da corte entende que a perda do mandato é automática, cabendo à Câmara apenas cumpri-la. Uma vertente, no entanto, avalia que deve haver autorização do Legislativo para a perda do mandato.
Alexandre de Moraes, autor do voto que levou à condenação do parlamentar a 8 anos e 9 meses de prisão em regime fechado, defendeu a cassação automática do mandato.
As duas alternativas, no entanto, só se efetivam após o trânsito em julgado do caso —ou seja, quando estiverem esgotados todos os recursos possíveis a Silveira.
Quando a ação que interessa ao presidente da Câmara ainda tramitava, a PGR (Procuradoria-Geral da República) chegou a se manifestar sobre a polêmica.
Em parecer de fevereiro, a então procurador-geral da República, Raquel Dodge, analisou o caso concreto e, embora tenha apontado a perda de objeto, fez análise de mérito.
Ela se manifestou contra o pedido que buscava dar ao Legislativo a palavra final sobre a situação de Feijó. “O Poder Judiciário não precisa de licença para executar sua função de julgar e de aplicar penas”, afirmou Dodge.
Se a pena imposta acarreta prisão em regime fechado por prazo que se projete além de um terço das sessões ordinárias de cento e vinte dias, afirmou a então chefe do Ministério Público Federal, “é efeito constitutivo automático do decreto condenatório que o apenado se ausente da respectiva Casa por período superior a cento e vinte dias por sessão legislativa”.
“À Casa Legislativa, de modo vinculado, resta apenas a declaração desta perda”, disse a ex-procuradora-geral da República.
Em outra ação que tramitou no Supremo, relativa ao caso do ex-deputado Natan Donadon, Barroso se manifestou sobre o assunto, segundo decisão de setembro de 2013.
Donadon, então representante de Rondônia na Câmara, ficou preso por meses no presídio da Papuda, em Brasília, após ser condenado a 13 anos, 4 meses e 10 dias em regime fechado por peculato e formação de quadrilha. Ele perdeu o mandato em fevereiro de 2014 com o apoio de 467 deputados — 210 a mais do que o mínimo necessário, que é 257 —, e nenhum pela absolvição.
A discussão chegou ao Supremo porque a Casa, em votação secreta realizada meses antes, havia livrado o então parlamentar da cassação.
Segundo o ministro do Supremo, a Constituição prevê, como regra geral, que compete ao Legislativo a decisão sobre a perda do mandato de parlamentares que sofrerem condenação criminal transitada em julgado. É exigida maioria absoluta na votação.
Porém, destacou o magistrado, esta regra, em geral, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado por tempo superior ao prazo remanescente do mandato.
“Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e física de seu exercício”, afirmou.
“A perda do manda se dá como resultado direto e inexorável da condenação, sendo a decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória.”
Barroso, no entanto, afirmou que o tratamento constitucional dado ao tema não é “bom e apresenta sequelas institucionais indesejáveis” e que caberia ao Congresso, por meio de emenda à Constituição Federal, rever o sistema vigente.
Fonte: Folha de São Paulo