Réu no STF (Supremo Tribunal Federal) por insultos e ameaças a ministros da Corte e outras autoridades, o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) ajudou involuntariamente a PGR (Procuradoria-geral da República) a definir, para o futuro, que tipo de manifestação de políticos ultrapassa os limites da liberdade de expressão e deve ser punida criminalmente.
Segundo apurou o UOL, a PGR firmou estes critérios no início de outubro, no processo que corre contra Silveira no Supremo e já está pronto para ser julgado. Nas alegações finais, que pedem a condenação do parlamentar, o vice-PGR Humberto Jacques de Medeiros listou três características que fariam um discurso ofensivo romper estes limites.
Estas balizas ajudaram a orientar, em novembro, dois pedidos de investigação feitos pela PGR ao Supremo: um contra a deputada Bia Kicis (PSL-DF) e outro contra o deputado José Medeiros (Podemos-MT). Ambos são alvos de inquérito após publicarem, no Twitter, postagens que a PGR considerou enquadráveis no crime de racismo.
O órgão máximo do Ministério Público, que é responsável por denunciar autoridades com prerrogativa de foro no STF, não tinha um padrão para atuar nessas situações desde que o Supremo começou, nos últimos anos, a monitorar e punir com mais frequência discursos de ódio e antidemocráticos.
As prisões e denúncias contra Silveira e outros políticos, como o ex-deputado Roberto Jefferson, atraem críticas frequentes de bolsonaristas, que veem nas medidas um ataque à liberdade de expressão, prevista no art. 5º da Constituição.
Para o vice-PGR, porém, a liberdade de expressão não pode se impor sobre outras garantias constitucionais. “O direito à liberdade de expressão é restringível como tantos outros, e só pode ser reconhecido como ‘absoluto’ em sentido fraco ou presuntivo, isto é, quando considerações conflitantes mais urgentes não estiverem presentes”, escreveu.
Os critérios
Nas alegações finais do caso Daniel Silveira, a PGR afirmou que o Estado deve traçar uma linha para determinar que tipo de declaração está amparada pela liberdade de expressão (e também pela imunidade parlamentar, no caso do deputado). Para o órgão, essa linha é rompida se um discurso ofensivo tem pelo menos uma de três características:
- Se “veicula mensagem ignominiosa”, ou seja, se extrapola os limites de uma ofensa razoável e invade os campos do ataque à honra, da humilhação e da degradação.
- Se “é manifestamente dissociado de um problema ou de um embate de ideias”, o que significa estar focado no ataque pessoal e não no objeto da discussão.
- Se “representa fatos de uma forma absolutamente inexata, sem deixar claro tratar-se de uma interpretação do próprio emissor”. Segundo afirmou o vice-PGR, “o fator decisivo é saber se a manifestação está ou não desgarrada dos fatos”.
Estes critérios, conforme apurou o UOL, foram elaborados pela PGR a partir de um conjunto de jurisprudências europeias, especialmente a alemã. Segundo o vice-PGR Humberto Medeiros, Daniel Silveira preencheu estes requisitos ao publicar os três vídeos que compõem a denúncia: dois no final de 2020 e o último em fevereiro.
O vídeo mais recente motivou a prisão de Silveira, que foi decretada pelo ministro Alexandre de Moraes e mantida por unanimidade pelo STF até o último dia 8, quando foi revogada.
Foi neste último vídeo que o deputado fez uma série de xingamentos a ministros do STF, incitou violência contra os membros da Corte e os “desafiou” a mandarem prender o general Eduardo Villas-Bôas, ex-comandante do Exército.
Para o órgão, as manifestações do deputado “vocalizam expressões degradantes, não transmitem informações ou ideias sobre questões políticas ou outros temas de interesse geral e travestem opiniões como fatos”, o que enquadra o discurso nas três possibilidades de punição.
Defesa
O advogado Jean Cleber Garcia, que representa Silveira, rejeita os argumentos da PGR sobre o caso e avalia que o órgão invadiu a competência do Legislativo e distorceu a Constituição ao defender sua condenação.
“Na verdade, a PGR busca usurpar a função do Legislativo, criando, pela via interpretativa, uma inovação legislativa, o que não é permitido no ordenamento jurídico vigente”, afirma o defensor. Para ele, o órgão faz uso político da Constituição e transformou o texto “em arma de censura”, o que abriria um “precedente perigoso às liberdades garantidas em um Estado Democrático e de Direito”.
Fonte: UOL