Em meio à disparada no preço dos combustíveis e com a Petrobras no centro de críticas, inclusive da classe política, o presidente da maior estatal do país, general de Exército da reserva Joaquim Silva e Luna, defendeu sua gestão e negou que a empresa seja a responsável pela alta dos preços. Só neste ano, a Petrobras subiu a gasolina em 60% nas refinarias, e o diesel, em mais de 50%.
Em entrevista exclusiva à coluna, o general disse que a empresa não vai aceitar intervenção, que o “tabelamento de preços sempre trouxe as piores consequências”, que a busca pelo lucro não deve ser condenada e que a decisão sobre privatizar ou não a empresa cabe ao governo.
Para ele, há atualmente uma espécie de “caça ao bode expiatório” e que “o melhor antídoto é a informação”.
‘O que evita o desabastecimento nos mercados e viabiliza o crescimento equilibrado da economia é justamente a aceitação de que os preços são determinados pelo mercado, não por ‘canetadas.’
Silva e Luna
A atual política de preços da Petrobras está em vigor desde o governo do presidente Michel Temer, que estabeleceu a chamada política de paridade internacional (PPI), repassando os aumentos dos preços do petróleo no mercado internacional e também do dólar. Só a moeda subiu quase 30% em 2020 e acumula alta de 5% neste ano.
‘O fortalecimento do dólar em âmbito global e, em especial, no Brasil, tem alavancado os preços das commodities e incrementado a inflação. Mas essas incômodas verdades não parecem muito apelativas.’
Silva e Luna
O presidente Bolsonaro tem repetido que a inflação é um problema mundial. No entanto, dados mostram que o problema brasileiro é bem pior do que em outros países. Especialistas ouvidos pelo UOL destacam que uma das razões para isso é o ambiente político conturbado, incluindo a conduta do próprio presidente.
Nesta semana, ao reclamar que não podia controlar os preços, Bolsonaro afirmou que tinha vontade de privatizar a empresa e que iria verificar com a equipe econômica essa possibilidade. No último dia 8, a Petrobras anunciou mais um aumento, desta vez de 7,2% nos preços da gasolina e do gás de cozinha em suas refinarias.
Questionado sobre o que pensa a respeito da privatização, Silva e Luna disse apenas que essa decisão cabe ao governo. “Considero que essa é uma escolha do acionista majoritário [o governo]”.
‘Petrobras não tem como controlar preços’
O general está há cinco meses no comando da Petrobras —é o primeiro militar a presidir a estatal desde 1989. Mas está no governo Bolsonaro desde fevereiro de 2019, quando foi nomeado para o comando de Itaipu. Foi esse último posto que o credenciou para a Petrobras. Ele foi alçado ao cargo após o avanço seguido dos preços dos combustíveis e as críticas de Bolsonaro à gestão Roberto Castello Branco.
Mas na gestão Silva e Luna a política de preços foi mantida, e os preços continuaram em alta.
O general afirmou que a estatal tem atuado para assegurar o crescimento equilibrado da economia para a recuperação da pandemia. Sobre o custo dos combustíveis, o general disse que o cenário é mais complexo e que o cidadão precisa entender as variáveis que impactam o preço nas bombas.
“É importante entender que a Petrobras não tem nem a capacidade nem a legitimidade para controlar os preços de combustíveis praticados no Brasil”, afirmou, acrescentando que a empresa tem conseguido bons resultados mesmo com a crise econômica.
No Brasil, a gasolina não está barata. A inflação se acelerou. E há quem atribua a culpa à Petrobras. E não veem que, nesse ambiente caótico, graças à sua gestão eficiente, a empresa tem conseguido gerar lucro capaz de pagar suas dívidas, investir fortemente e pagar tributos e dividendos.
Silva e Luna
Pandemia, retomada e crise hídrica
Para justificar a alta dos combustíveis, Silva e Luna diz ainda que a sociedade vive atualmente as consequências da pandemia e da retomada econômica.
“A redução da oferta global de energia fóssil, programada na eclosão da covid, em 2020, e estimulada pelo voluntarismo excessivo da transição energética, tornou a energia muito escassa nesse momento de alta demanda, com a retomada da atividade pós-vacinação”, disse.
Com o país vivendo uma de suas piores crises hídricas em 90 anos, Silva e Luna diz que os fatores climáticos, como “pouca chuva e pouco vento”, também interferem neste cenário.
‘Busca por lucro não deve ser condenada’
Silva e Luna afirma que o primeiro passo para entender a atual situação da Petrobras é “revisitar o passado” e reforçar que a busca por lucro não deve ser “condenada”.
“Em 2015, 80% da Petrobras pertencia aos credores, aos bancos. Em um único ano, ela pagou de juros mais do que quatro refinarias baianas (RLAM), direto para o sistema financeiro”, disse.
Por causa de pressões políticas, a Petrobras era uma máquina de gerar prejuízo, diz o general, lembrando que a dívida da estatal chegou a US$ 160 bilhões.
Lucrar não era importante, gastou-se e investiu-se de forma perdulária. A empresa foi pressionada a agir como um braço político da época. A conta levou a Petrobras à beira da falência.
Silva e Luna
Impostos de cinco vezes o Bolsa Família
Silva e Luna diz que sua gestão conseguiu reestabelecer o lucro e liquidar mais de US$ 100 bilhões da “estratosférica dívida acumulada”.
Em 2021, a estimativa é que a estatal pague em impostos para União, Estados e municípios algo em torno de R$ 177 bilhões, o que representa, aproximadamente, cinco vezes o gasto com o programa Bolsa Família no período.
A Petrobras não persegue o lucro pelo lucro, mas porque precisa fazer investimentos de olho na transição energética e, por isso tem pressa no pré-sal.
Silva e Luna
O general afirma que, no fim de 2019, a Petrobras investiu mais de R$ 60 bilhões para pagar o ingresso e ter o direito a explorar mais do pré-sal. “Essa ação custou 150% do lucro obtido naquele ano. A empresa reinvestiu o resultado do seu bom desempenho, porque acredita na sua capacidade de explorar reservas e gerar mais riqueza para o Brasil”, disse.
‘Tabelar preços tem as piores consequências’
Silva e Luna defende a abertura do mercado e diz que, desde 2002, o Brasil tem trilhado um caminho que incentivou a vinda de importadores e de novos produtores para o Brasil.
Mesmo com a abertura, o general diz que a Petrobras não é capaz de abastecer o país sozinha com gasolina, diesel, GLP e gás natural.
“Se prevalecesse a decisão de tentar represar preços via Petrobras, as outras empresas do setor iriam processar a companhia por preço predatório [artificialmente baixo] e venderiam seus produtos no exterior ou abandonariam o Brasil”, diz.
Segundo o general, mais do que bem-vindos, novos investidores são vitais para o Brasil. “E só virão e permanecerão aqui se os preços de mercado forem respeitados”.
Sem citar nominalmente a ex-presidente Dilma Rousseff, Silva e Luna diz que decisões de governos passados, que optaram por congelamento de preços, se mostraram completamente equivocadas.
Calcula-se que, entre 2011 e 2014, durante a gestão da petista, a política de controle da inflação, por meio do represamento do preço da gasolina, tenha gerado perdas de cerca de R$ 40 bilhões somente para os produtores de etanol.
‘O Brasil já tentou medidas heterodoxas em outros momentos, sempre sem sucesso. Tabelar preços sempre trouxe as piores consequências econômicas para qualquer país que o faça. E ninguém imagina cometer erros velhos.’
Silva e Luna
Fonte: Carla Araújo/UOL