GeralNacionaisPolítica

Emails na CPI apontam que governo Bolsonaro só fez contraproposta formal por vacinas da Pfizer em dezembro

BRASÍLIA – Emails enviados pela Pfizer à CPI da Covid do Senado mostram que o governo só formalizou uma contraproposta ao laboratório em dezembro de 2020, apesar de o ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde) ter afirmado à comissão que tentou o “tempo todo” negociar as cláusulas jurídicas do acordo.

Isso indica que as discussões sobre mudanças jurídicas no contrato com a empresa apenas se intensificaram no final do ano passado.

O primeiro passo para adquirir as doses de vacina era assinar um memorando de entendimento, uma espécie de carta de intenções, atrelado ao qual estavam as cláusulas jurídicas consideradas “leoninas” por Pazuello.

De acordo com os emails, a primeira contraproposta ao documento que aparece formalizada por escrito à Pfizer ocorreu em 4 de dezembro.

A “carta de intenções” foi assinada em 10 de dezembro do ano passado, contrariando pareceres jurídicos do governo, segundo o ex-ministro. “E nós assinamos o MOU, mesmo sem as assessorias jurídicas”, disse Pazuello à CPI.

Segundo os documentos da CPI a que a Folha teve acesso, a Pfizer apresentou uma terceira oferta de doses de vacina em 24 de novembro com validade até 7 de dezembro encaminhando uma nova proposta de memorando. Essa oferta havia sido acertada após reunião no dia 17 daquele mês.

Naquele momento, o laboratório afirmou ao Ministério da Saúde que havia promovido “adequações de ordem jurídica” e e alterado trecho do contrato para constar que o pagamento só deveria ser feito pelo governo dez dias após o registro do imunizante pela Anvisa, conforme já havia sido discutido com o governo.

gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, ainda comunicou que havia incluído a União como parte do “memorando de entendimentos não vinculativo” e que havia alterado o local de arbitragem sobre o tema para o Brasil.

Mais tarde, em 2 de dezembro, Murillo enviou dois emails, um destinado ao gabinete do ministro e à assessoria internacional e outro encaminhado ao então secretário-executivo da pasta, Élcio Franco, que estava negociando diretamente com a empresa.

“Em nossa terceira oferta enviada ao governo brasileiro na semana passada, em 24 de novembro, conseguimos adequar as limitações de ordem jurídica que foram compartilhadas conosco a partir de nossa segunda proposta. Um dos pontos mais relevantes foi estabelecer a condição para o contrato definitivo à emissão do registro sanitário pela Anvisa”, disse Murillo.

Na mesma mensagem, Murillo escreve que os países da América Latina que firmaram acordo aceitaram “as mesmas cláusulas de responsabilidade e indenização”.

A CPI EM CINCO PONTOS

  • Foi criada após determinação do Supremo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

  • Investiga ações e omissões de Bolsonaro na pandemia e repasses federais a estados e municípios

  • Tem prazo inicial (prorrogável) de 90 dias para realizar procedimentos de investigação

  • Relatório final será encaminhado ao Ministério Público para eventuais criminalizações

  • É formada por 11 integrantes, com minoria de senadores governistas

Após um período resistindo à compra de vacinas, o presidente Jair Bolsonaro passou a afirmar que compraria qualquer vacina que tivesse o aval da Anvisa.

O gerente da Pfizer também encaminhou três propostas de esquemas possíveis de distribuição e vacinação.

“Essas propostas foram desenvolvidas com base na experiência que temos com o Programa Nacional de Imunização (…) e nos acordos que estão sendo estabelecidos com outras países da América Latina como Chile, Peru, Equador, México e Costa Rica, que possuem algumas similaridades com o território brasileiro”, informou Murillo no email encaminhado ao secretário-executivo.

O representante da Pfizer afirmou que os países listados conseguiriam iniciar a vacinação no final de 2020 ou início deste ano.

Disse também que se “por um lado entendemos que o quantitativo disponível para o Brasil para o primeiro trimestre é limitado e não permitirá vacinar a maioria da população, esse quantitativo permite sim cobrir grupos prioritários e de maior risco já no primeiro trimestre”.

Àquela altura, a Pfizer negociava 70 milhões de doses, mas já não ofertava mais vacinas com entrega em 2020. A proposta previa entregar 2 milhões de doses no primeiro trimestre deste ano, mais 6,5 milhões no segundo trimestre e o restante até o final do ano.

O Ministério da Saúde só firmou acordo com o laboratório em março de 2021, quando adquiriu 100 milhões de doses —das quais 14 milhões devem ser entregues até junho, e o restante até setembro deste ano.

Ainda no email de 2 de dezembro destinado ao secretário-executivo, Murillo reclama de não ter conseguido contato com ele após mandar a proposta oficial da empresa em 24 de novembro.

“Deixamos inúmeras mensagens em seu gabinete e também reforçamos o pedido por email. Como ainda não tivemos retorno, gostaria de comentar alguns pontos relacionados ao tema”, escreveu Murillo.

Na outra mensagem enviada naquele mesmo dia ao ministro da Saúde, o gerente da Pfizer elenca as mesmas informações com relação aos entraves jurídicos, doses, e detalhes sobre armazenamento da vacina e ressalta a importância de receber uma resposta.

“Se os senhores já tiverem tomado a decisão de não avançar com a assinatura desse documento [ memorando não vinculativo], possam nos comunicar para que possamos liberar essas doses para que elas sejam disponibilizadas aos países da região que estão trabalhando em seis planos de vacinação que irão começar nos próximos dias, sujeitos a aprovação regulatória nesses países.”

Ao final do email, Murillo reforça que “a condição de não responsabilização futura para a Pfizer sobre futuras demandas litigiosas tem sido praxe aceita por todos os países que já fecharam acordo”.

O gerente ainda informa que buscava contato com o secretário-executivo e diz que “gostaria muito” de poder se reunir pessoalmente com Pazuello.

Após essa troca de mensagens, em 4 de dezembro, o Brasil apresenta a primeira contraproposta de memorando segundo os emails a que a Folha teve acesso.

Dias depois, em 9 de dezembro, a Pfizer registrou em email que soube que o país deveria editar uma medida provisória para conseguir assinar o contrato .

A partir dali as negociações passam a incluir também o advogado Zoser Hardman, que à época era assessor especial de Pazuello, e hoje, segundo o ex-ministro, advoga para ele de maneira gratuita.

A tratativa a respeito da medida provisória seguiu até janeiro, quando a Pfizer pediu reunião presencial para tratar do dispositivo que seria publicado pelo Brasil.

Por fim, a MP que tratou de vacinas acabou publicada, mas os itens que permitiam ao poder público assumir as responsabilidades previstas nas cláusulas foram retiradas do texto encaminhado ao Congresso. Segundo Pazuello disse à CPI, não houve consenso sobre os termos negociados entre os representantes jurídicos dos ministérios.

O que garantiu a assinatura do contrato com a Pfizer foi a edição de um projeto de lei pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

“Não havia consenso de que deveria sair de uma MP nossa, e sim de discussões no próprio Congresso. Foi isso que me foi passado”, disse o ex-ministro da Saúde em depoimento na semana passada.

Segundo os documentos enviados pela Pfizer à CPI, o Ministério da Saúde só respondeu a oito dos emails que foram encaminhados pela empresa a partir de fevereiro do ano passado. O primeiro contato feito pela farmacêutica foi em carta enviada ao presidente Jair Bolsonaro em 17 de março, como mostrou a Folha.

De 14 de agosto de 2020, quando a Pfizer fez a primeira oferta formal ao Brasil, a 12 de setembro de 2020, quando o presidente mundial do laboratório mandou carta ao Brasil, o governo não deu respostas conclusivas a ao menos dez emails mandados pela Pfizer.

NA MIRA DA CPI

Série de reportagens aponta principais eixos de investigação da CPI da Covid, comissão do Senado que apura o enfrentamento da pandemia no país

  1. Entenda como a CPI da Covid pode contribuir para responsabilizar Bolsonaro por falas e postura na pandemia

  2. Da cloroquina à vacina, confrontos de Bolsonaro na pandemia devem ser alvo de CPI da Covid no Senado

  3. Entenda os repasses a estados e municípios na pandemia e as suspeitas que estão no alvo da CPI

  4. Entenda a crise da Covid no Amazonas e os sinais de negligência do governo que serão investigados na CPI

  5. Entenda como o governo despejou esforços com cloroquina e outros remédios sem eficácia contra Covid

  6. Saiba quais são os principais alvos da CPI da Covid e o que pesa contra eles

CRONOLOGIA DOS EMAILS ENTRE PFIZER E MINISTÉRIO DA SAÚDE

31 de julho de 2020
Pfizer pede audiência urgente com a pasta. País registrava cerca de 92,5 mil mortes

4 de agosto de 2020
Ministério confirma reunião para dia 6 de agosto

8 de agosto de 2020
País ultrapassa marca ​ de 100 mil mortos por Covid-19

14 de agosto de 2020
Empresa envia a proposta formal para fornecimento de futura vacina. Previsão era de 70 milhões de doses, acima das 30 milhões discutidas anteriormente

17 de agosto
Envia um email a técnicos da Saúde um link para acessar documentos com informações sobre a vacina e a proposta. Envia um segundo email a técnicos da Economia informando sobre a proposta que havia sido feita.

18 de agosto de 2020
​Pfizer afirma que consegue antecipar 1 milhão de doses para entrega em ainda 2020, após aval da Anvisa. Email reforça que a validade da proposta era 29 de agosto e pede urgência para resposta

19, 21, 25 e 26 de agosto de 2020
Pfizer faz contato telefônico e eletrônico e pede uma posição do ministério. Envia proposta com revisão no cronograma e entrega de doses

29 de agosto de 2020
​Data limite da primeira oferta. Não há documento entregue pela Pfizer à CPI referente a este dia. Mortes por Covid-19 passam de 120 mil

2, 12 e 15 de setembro de 2020
Pfizer faz novo contato com ministério e se coloca à disposição para reunião sobre o andamento dos estudos da vacina. No período, presidente mundial da Pfizer encaminha mensagem a Bolsonaro e Pazuello. Empresa diz que fechou acordo com os Estados Unidos e reforma que celeridade é crucial, pois há número limitado de doses em 2020. Email enviado ao presidente Bolsonaro e ministros é encaminhado a integrantes do Ministério da Saúde

14 de outubro de 2020
Número de mortes já passava de 150 mil no país. Empresa envia dados ao Programa Nacional de Imunizações

27 de outubro de 2020
Reunião entre Pfizer e governo para retomar as negociações

​10 de novembro de 2020
Pfizer tem reunião com Bolsonaro, Guedes e Wajngarten. Foi reapresentada a proposta de 70 milhões de doses, com um mínimo a ser adquirido no primeiro semestre e o restante no segundo semestre. Empresa reforça que contrato será efetivado somenta após aval da Anvisa, “sem qualquer risco/prejuízo financeiro ao país caso nossa vacina não receba o registro”

13 de novembro de 2020
Número de mortes chega a quase 165 mil. Ministério confirma reunião com a empresa para 17 de novembro

​Dia 24 de novembro de 2020
Pfizer manda termos atualizados do acordo. Validade da proposta é 7 de dezembro. Depois disso, doses serão distribuídas a outros países

​2 e 3 de dezembro de 2020
Empresa tenta contato telefônico e eletrônico, relata ter deixado inúmeras mensagens, mas não obteve a resposta

4 de dezembro de 2020
Ministério enviar uma contraproposta à empresa

6 e 9 de dezembro de 2020
Pfizer pede reunião para discutir contraproposta e mostra que memorando de entendimento depende de medida provisória do governo, ainda a ser editada

​10 de dezembro de 2020
Ministério fecha memorando de entendimento com a Pfizer. ​Brasil chega perto de 180 mil mortes​

(Com Folha de São Paulo)

Jogo do Poder

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo