RESUMO DA NOTÍCIA
- Segundo entidade que representa interesses comerciais chineses, postura crítica do governo brasileiro atrapalha negócios
- Bloqueios comerciais deveriam ser vistos como risco, diz Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China
- Brasil não não tem bom ambiente para negócios, afirma representante chinês
O Brasil não está aproveitando as oportunidades de negócios com a China, maior parceiro comercial e de investimentos do país, por causa de “muita gente que não é patriota”, diz o presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC), Charles Tang. Ele não esclareceu se o comentário se refere a algum integrante do governo Bolsonaro, mas, segundo ele, empresários brasileiros podem enfrentar represálias comerciais semelhantes às sofridas atualmente pela Austrália por causa dos constantes ataques de integrantes do governo do presidente Jair Bolsonaro à China, diz o executivo.
Tang destaca que a Austrália está sofrendo restrições para seus produtos por causa de discussões entre os dois governos, que levaram a uma guerra comercial entre os países. E que isso pode acontecer com o Brasil também.
Além de presidir a CCIBC, Chang é membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial em São Paulo e do World Policy Institute, em Nova York, presidente honorário da Câmara de Comércio Internacional de Pequim e membro de conselhos de governos regionais chineses, como de Wuhan, Jilin City e província de Jiangxi.
Tang aponta que a China é o país que mais compra produtos brasileiros, sendo responsável pelo saldo positivo na balança comercial do Brasil. E os chineses revezam com os Estados Unidos a posição de maior investidor na economia brasileira. Por isso, o Brasil deveria encarar a China com prioridade.
O Brasil precisa da China da mesma forma que a Austrália precisa do mercado chinês. Nações não têm amizades, mas interesses, e é dever de um governo defender os interesses do país. Mas aqui no Brasil há muita gente que não é patriota, pessoas que vão contra os interesses do Brasil..
Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC)
As câmaras de comércio são muitas vezes a porta de entrada no Brasil de empresários chineses com interesse de fazer negócios no mercado brasileiro. Na CCIBC, já há relatos de reuniões canceladas ou adiadas depois que Bolsonaro acusou os chineses de terem se aproveitado da pandemia para obter vantagens econômicas sobre outros países.
Para Tang, a troca no ministério de Relações Exteriores, com a saída de Ernesto Araújo e a entrada do diplomata Carlos Alberto França, já melhorou o ambiente, que se tornou mais positivo.
Nascido em Xangai (China), criado nos Estados Unidos, onde estudou economia na Universidade de Cornell, morou também em Hong Kong antes de desembarcar no Brasil para atuar no setor financeiro. Aqui, foi executivo do Bank of Boston, onde introduziu o leasing no Brasil e foi ainda consultor de outras dez empresas pioneiras de leasing no país. Veja abaixo os principais trechos da conversa do presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC) com o UOL.
UOL: A política do governo brasileiro em relação à China pode atrapalhar negócios chineses com o Brasil?
Charles Tang: Veja a guerra comercial que está havendo entre China e Austrália. O vinho australiano sofreu 250% de taxação, fechando o mercado chinês que era o maior comprador do vinho australiano. Os grãos australianos sofreram 80% de taxação. Esse tipo de problema pode acontecer com o Brasil também se continuar atacando a China. Isso não ajuda.
O Brasil precisa da China da mesma forma que a Austrália precisa do mercado chinês. Nações não têm amizades, mas interesses, e é dever de um governo defender os interesses do país. Mas aqui no Brasil há muita gente que não é patriota, pessoas que vão contra os interesses do Brasil.
Tem pessoas não patriotas no governo?
Qual o interesse nacional do Brasil? É a China, que é o maior comprador dos produtos brasileiros e o maior investidor no Brasil e um dos maiores financiadores e projetos no Brasil nos últimos anos. Na crise de quatro anos atrás, quando o Brasil estava no fundo do poço, a China emprestou US$ 15 bilhões em cima dos US$ 5 bilhões que já havia emprestado. A China investiu mais de US$ 20 bilhões naquela época. Deu um superávit de mais de US$ 100 bilhões nos últimos seis anos. Por isso que o Brasil tem essa posição invejável de reservas. É a China, que é o maior comprador dos produtos brasileiros e o maior investidor no Brasil e um dos maiores financiadores e projetos no Brasil nos últimos anos.
Mas há não patriotas no governo?
Como presidente da câmara, eu não posso ser contra ou a favor do governo, não sou da direita nem da esquerda nem do centro. Sou de todos. Posso dizer que a situação melhorou com a troca no Ministério de Relações Exteriores (saída de Ernesto Araújo e entrada do diplomata Carlos Alberto França), o que já melhorou o ambiente, que se tornou mais positivo
Considerando os últimos dois anos, o senhor diria que o interesse dos investidores e empresários chineses em fazer negócios no Brasil aumentou ou diminuiu em relação aos anos anteriores?
O interesse chinês de investir no mundo continua amplo, embora a pandemia e os conflitos de comércio global e a disputa entre as maiores potências econômicas do mundo tenham afetado um pouco o passo desses investimentos.
A aliança estratégica e comercial dos dois gigantes é importante para ambos os países. Logicamente, quando os governos de dois países colaboram um com o outro, a parceria se fortalece, em vez de estremecer as relações quando ocorrem provocações que atingem os interesses nacionais do Brasil.
As condições de negócios melhoraram ou pioraram, por exemplo, com relação a acesso a financiamentos e burocracia?
Embora algumas das reformas realizadas e a intenção de outras reformas possam tornar o país mais amigável a negócios, o Brasil continua sendo um país que não é “business friendly” [que tenha bom ambiente para negócios].
O “custo Brasil” e a burocracia brasileira tornam o país menos atrativo na competição global por investimentos. Embora investidores internacionais não necessitem de capital do país, o alto custo e a escassez de capital também dificultam os negócios no nosso país.
Quais são os setores hoje que mais interessam ao capital da China para investimentos no Brasil?
O total de investimentos chineses no Brasil já soma cerca de US$ 85 bilhões nos últimos anos. A China tem investido em energia, construção, petróleo e gás, agro e infraestrutura.
Como presidente da Aberh (Associação Brasileira de Energia de Resíduos e de Hidrogênio), vejo esforços para atrair investimentos a um setor que somente agora se inicia no Brasil, um dos países que mais produzem resíduos, tanto agrícolas como urbanos.
O que se aproveita além de bagaço de cana é muito pouco. Então, a transformação desses resíduos em energia renovável e em hidrogênio verde demandará bilhões em investimentos.
Outro setor em que a China tem interesse é o de transporte. Faltam ferrovias no Brasil , o que onera os produtos exportados, e a China é a campeã no desenvolvimento de ferrovias.
Cito ainda as áreas de construção civil de pré-fabricados e de 3D, que são áreas de interesse para investidores chineses.
Pela falta de poupança interna, a retomada econômica pós-pandêmica no Brasil vai depender de investimentos e financiamentos externos. A China é um dos principais países que tem gigantescas reservas de capital com disposição de investir no risco Brasil atual.
No último Plano Quinquenal aprovado ano passado pelo governo da China, alguns setores foram destacados, como segurança alimentar, energia e tecnologia. O Brasil pode fazer parte dos projetos que buscam atingir esses objetivos?
Sem dúvida, o setor de agro do Brasil, que tem avançado muito nessas últimas décadas, não só garante a segurança alimentar de seu povo e a economia do Brasil, como é um celeiro do mundo e garante a segurança alimentar de países como a China.
O Brasil é um dos países de menor emissão de carbono do mundo. O país teve a competência para desenvolver o Pró-Álcool [programa de etanol combustível] há meio século e é abençoado com recursos hídricos e índices solares e de vento para fazer crescer com rapidez a energia renovável sem emissão de carbono.
Enquanto nosso Brasil demorou anos para iniciar a implantação do 5G, a China já inicia o seu 6G. Vários países da Europa e Ásia já têm frotas de caminhões e outros veículos movidos a hidrogênio. Esperamos poder ajudar difundir essa fonte de energia limpa no Brasil.
O acordo de satélite sino-brasileiro mostra o caminho para avançar, com sucesso, a tecnologia brasileira em parceria com empresas chinesas.
(Com Uol)