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Sem sucesso na Justiça, Trump tenta convencer legislativos de Estados onde Biden venceu a apontar delegados a seu favor

Manobra aproveitaria de brecha na constituição americana para desrespeitar resultado nas urnas, mas chance de sucesso do republicano é baixíssima.

Depois de mais de duas semanas de batalhas judiciais infrutíferas em diferentes Estados, na tentativa de reverter o resultado da eleição presidencial que deu vitória ao democrata Joe Biden, o presidente americano Donald Trump começa a colocar em prática uma nova estratégia.

O republicano argumenta, sem mostrar provas, que as eleições foram fraudadas e se recusa a reconhecer o resultado e iniciar o processo de transição governamental.

A expectativa era que Trump mudaria de comportamento após a confirmação de Biden como novo presidente no Colégio Eleitoral, no dia 14 de dezembro.

Mas Trump ensaia uma tentativa de manejar a máquina burocrática da eleição indireta a seu favor e alterar o resultado projetado, de 306 delegados para Biden, contra 232 amealhados por Trump.

Para ser eleito, um candidato precisa obter 270 votos no colégio eleitoral. Cada Estado do país possui um dado número de delegados e, à exceção do Maine e de Nebraska, o candidato vencedor no voto popular no estado leva todos os delegados da área.

Qual é o plano de Trump?

Primeiro, Trump tem tentado medidas para atrasar ou dificultar a certificação dos resultados das urnas por cada uma dos Estados americanos.

A certificação é a mera formalização dos votos totais e a indicação de quais delegados irão representar o estado no Colégio Eleitoral.

No Wisconsin, ele pagou US$ 3 milhões (R$ 16,1 milhões) por uma recontagem de votos, cujo resultado só deve sair no limite do prazo para a certificação.

Em Michigan, o presidente americano ligou pessoalmente para um das oficiais eleitorais republicanas no Condado de Wayne, na região de Detroit, que selou sua derrota por uma margem de cerca de 150 mil votos. A representante, que já tinha se posicionado a favor da certificação eleitoral na região, voltou atrás.

Na Geórgia, Trump pressionou as autoridades republicanas a não finalizar a certificação, concluída nesta sext-feira (20/11), mesmo após a recontagem confirmar vitória de Biden.

No Arizona, membros do Partido Republicano têm impedido a certificação em um pequeno condado na zona rural. o que pode atrasar a oficialização de todo o Estado.

Sem certificações, Trump entraria em campo com o segundo passo da estratégia: alterar o número de delegados pra cada lado.

Sua campanha tem sugerido aos representantes legislativos estaduais em que republicanos têm maioria que, à luz das alegadas fraudes por Trump, ignorem o resultado das urnas e apontem delegados pró-Trump mesmo naqueles Estados em que Biden venceu.

Essa é uma possibilidade com a qual a campanha de Trump flertou publicamente, mesmo antes da votação do dia 3 de novembro.

Em 23 de setembro, uma reportagem da revista americana The Atlantic afirmava ter ouvido de fontes do Partido Republicano que a possibilidade estava em estudo.

No mesmo período em que tais discussões aconteciam privadamente na agremiação, Trump se recusava publicamente a se comprometer com uma transição pacífica de poder.

Em tese, haveria brecha legal para esse tipo de manobra. Isso porque a Constituição Americana, em seu segundo artigo, estabelece que cada Estado deve nomear seus representante para o Colégio Eleitoral “da maneira que seu Legislativo determinar.”

De acordo com Keith E. Whittington, professor de Ciência Política da Universidade de Princeton, o modelo de escolha de delegados pelos legislativos, sem participação popular, foi muito pouco visto nos Estados Unidos.

“No início da história do país, as legislaturas estaduais muitas vezes simplesmente nomeavam os delegados. Não demorou muito para que uma sensibilidade mais democrática assumisse o controle: as legislaturas estaduais estabeleceram procedimentos para eleições nas quais os eleitores podiam escolher os representantes e, assim, escolher efetivamente o presidente, uma vez que os candidatos a delegado se comprometiam a votar em determinado candidato à Presidência”, escreveu Whittington, em um artigo para o jornal The Washington Post.

“Em 1796, menos da metade dos Estados ainda usava a seleção legislativa de delegados. A última legislatura estadual a escolher eleitores foi a do Colorado em 1876, e isso apenas porque o Estado foi admitido na União tarde demais no ciclo de eleições presidenciais para organizar um pleito.”

Investida sobre os legislativos estaduais

E apesar de nada nesses moldes ter acontecido nos Estados Unidos em mais de um século, em 2000, durante a batalha judicial entre o republicano George W. Bush e o democrata Al Gore pelos votos presidenciais na Flórida, a Suprema Corte reafirmou que um Estado “pode retomar o poder de nomear delegados”, retirando do povo essa atribuição. A decisão poderia servir como base para a medida tentada por Trump.

Foi exatamente isso o que a campanha do republicano pediu à Justiça na Pensilvânia, em um documento de 86 páginas revelado pela Bloomberg.

“Este tribunal deveria entrar com uma ordem [alegando] que os resultados das eleições presidenciais gerais de 2020 são defeituosos, permitindo que a Assembleia Geral da Pensilvânia escolha”, dizem os advogados na petição judicial.

Os republicanos dominam o Legislativo na Pensilvânia e já afirmaram que esse tipo de medida não seria uma possibilidade.

A pressão privada em legisladores no Arizona, no Wisconsin e na Geórgia já os levou a se posicionar abertamente ou entre seus pares.

O líder republicano no Legislativo do Wisconsin, Robin Vos, por exemplo, veio à público dizer que “sob as nossas leis, não temos parte nesse processo (eleitoral)”.

O mesmo disse Mike Shirkey, líder do Senado de Michigan. “A lei de Michigan não inclui um dispositivo para que o Legislativo selecione delegados diretamente ou conceda delegados a qualquer pessoa que não seja aquela que recebeu a maioria dos votos”, ele afirmou na semana passada.

Apesar disso, Shirkey e o presidente da Câmara estadual, Lee Chatfield, aceitaram se encontrar com Trump na Casa Branca, na sexta-feira (20/11).

E embora não tenham aberto a pauta da reunião, também participou do evento Tom Barrett, um parlamentar estadual e aliado de primeira hora de Trump, que tem pressionado pela não certificação dos votos com base em alegações de fraude.

A estratégia é tão clara que foi criticada abertamente na quinta-feira (19/11) pelo senador republicano Mitt Romney, que tem um histórico de confrontos em relação a Trump.

“Tendo falhado em apresentar até mesmo um caso plausível de fraude ou conspiração generalizada diante da Justiça, o presidente agora recorre à pressão aberta sobre as autoridades estaduais e locais para subverter a vontade do povo e reverter a eleição. É difícil imaginar uma ação mais antidemocrática de um presidente americano em exercício”, afirmou Romney, no Twitter.

Qual a chance de dar certo?

Para ter sucesso na empreitada, Trump precisaria fazer o plano funcionar em ao menos três Estados, para obter o número de delegados necessários no Colégio Eleitoral e se tornar o vencedor.

Até o momento, nada sugere que ele possa conseguir convencer as máquinas políticas e burocráticas a se curvarem a sua vontade em três diferentes estados.

Ainda na remota possibilidade que isso acontecesse, certamente haveria batalhas judiciais para questionar as medidas tomadas pelos legislativos e isso mergulharia o país em semanas de incerteza e tensão. A imprensa americana tem chamado a manobra de “sem precedentes” e “potencialmente ilegal”.

Por isso, parte dos analistas americanos acreditam que os movimentos são mais uma forma de o presidente americano mostrar à sua base eleitoral, que lhe garantiu mais de 73 milhões de votos, que ele é uma vítima do sistema, um outsider injustamente derrotado, expulso do que ele chama de “pântano” político de Washington D.C., a capital americana.

E veículos americanos afirmam que Trump já disse a assessores que pretende concorrer à Presidência em 2024. Sem mandato pelos próximos quatro anos, ele tem a tarefa de manter essa base coesa e fiel a seu nome e não a qualquer outro republicano que possa surgir com destaque na oposição ao governo Biden.

Por ora, o discurso público de Trump tem mostrado grande efetividade com seu público. De acordo com uma pesquisa de opinião recém-divulgada pela revista The Economist, realizada entre 15 e 17 de novembro, 43% dos americanos acreditam que Biden não ganhou a eleição de modo legítimo.

Entre os que votaram em Trump, esse percentual salta para 88%. (BBC)

Redação

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