O que esperar da cúpula entre UE e Celac?
Mais de 50 líderes da União Europeia (UE) e da América Latina reúnem-se nesta semana em Bruxelas, na Bélgica, para reforçar os laços diplomáticos após oito anos sem reuniões de alto nível.
A cúpula da UE com os países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) ocorre na segunda-feira (17/07) e na terça-feira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou neste domingo a Bruxelas e, além da cúpula, deve ter reuniões bilaterais.
Mas por que representantes dos 27 Estados-membros da UE e dos 33 países da Celac vão se reunir?
A União Europeia quer intensificar as relações com os Estados caribenhos e latino-americanos após a invasão da Ucrânia pela Rússia porque, segundo o chefe de política externa da UE, Josep Borrell, as regiões do mundo que compartilham os mesmos valores e princípios devem se relacionar estrategicamente.
A UE visa ainda romper um pouco com sua dependência econômica da China. Para isso, precisa da América do Sul como potencial fornecedora de matérias-primas e energia, como mercado e como parceira na proteção do clima.
No início de junho, a Comissão Europeia publicou uma estratégia abrangente para a América Latina. “Somos aliados para fortalecer a ordem internacional baseada em regras, defender a democracia, os direitos humanos e a paz. Temos interesse em fortalecer nossa parceria política”, disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Os estados da Celac, que abrange todos os países das Américas exceto Estados Unidos e Canadá, querem impulsionar as suas economias novamente após a crise da pandemia, e a UE é muito bem-vinda como investidora e parceira comercial.
Empresas de países da UE investem mais na região do que Rússia, China, Índia e Japão juntos. O livre comércio criaria mais empregos. É por isso que os 600 milhões de sul e centro-americanos estão, a princípio, interessados em acordos comerciais com 450 milhões de europeus. Nos últimos dez anos, o volume do comércio de bens e serviços cresceu 40%, para 369 bilhões de euros por ano.
Novos acordos de livre comércio?
Outra meta é o acordo da UE com o Mercosul (bloco composto por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), que vem sendo costurado desde 2019, mas ainda não foi ratificado pelos países europeus, em parte devido a preocupações com o desmatamento da Amazônia. Sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a ratificação ficou adormecida.
Agora, porém, com a gestão do presidente Lula, a UE quer reativar o acordo com o Mercosul, mas gostaria que o Brasil se comprometesse com a proteção sustentável do meio ambiente e do clima em um protocolo adicional.
Lula, que agora também acumula a presidência rotativa do Mercosul, é contra esse protocolo adicional. Embora já tenha desacelerado o desmatamento na Amazônia, ele não quer que a UE interfira em sua própria política, o que considera “inaceitável”.
“Parceiros estratégicos não negociam com base na desconfiança e na ameaça de sanções”, disse Lula no início de julho. Com o acordo, a UE quer condenar os países do Mercosul a permanecerem “eternamente” como fornecedores de minérios e matérias-primas, afirmou o brasileiro.
A Comissão Europeia também está planejando acordos comerciais com Chile e México. A cúpula de Bruxelas pode dar um novo impulso às negociações ou ao vacilante processo de ratificação. A meta é que o acordo do Mercosul seja concluído até o final do ano.
Que problemas políticos são vistos pela UE?
Lula é visto pela UE como claramente pró-China. Durante uma visita a Pequim em abril, o presidente brasileiro concordou em aprofundar a cooperação com o presidente chinês, Xi Jinping.
Em viagem ao Brasil em junho, a ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock, disse entender que a guerra na Ucrânia não encabece preocupações de brasileiros que sofrem com alta de preços, mas que a inflação está ligada ao conflito.
Apesar disso, os europeus estão chateados porque Lula, repetidamente, relativizou o conflito, oferecendo-se como mediador e chegando a sugerir que a Ucrânia cedesse a Crimeia à Rússia. Mesmo assim, o Brasil foi o único dos grandes países emergentes do Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a apoiar uma condenação a Moscou na Assembleia Geral das Nações Unidas.
Empresários europeus querem ratificação do acordo
Dezenove associações empresariais europeias de diversos setores pressionam por uma rápida ratificação do acordo comercial com o Mercosul, levando em consideração os requisitos de proteção do clima.
“O acordo UE-Mercosul abre oportunidades únicas para a Europa ser a primeira a garantir vantagens ao entrar em um mercado latino-americano mais amplo”, escreveram as associações em um comunicado conjunto.
Diante do atual contexto de restrições comerciais, a Europa poderia no futuro promover o comércio com o Mercosul e o restante da América Latina.
Organizações ambientais criticam
Ambientalistas do Greenpeace classificam o possível acordo UE-Mercosul como um “tratado venenoso” e convocaram protestos em Bruxelas na segunda-feira, quando começa a cúpula.
O Greenpeace considera o acordo comercial desatualizado e destinado a facilitar a importação e exportação de produtos prejudiciais ao clima.
Se concretizado, o acordo deve viabilizar mais exportação da América Latina para a Europa de carne bovina e soja para ração. A UE quer vender automóveis e, sobretudo, pesticidas.
O agrotóxico é usado, por exemplo, no cultivo de limão e vai parar nos pratos europeus. A Federação Alemã de Proteção do Meio Ambiente e da Natureza (Bund) critica o cultivo de soja geneticamente modificada no Brasil, justificando que isso leva ao desmatamento e à extinção de espécies. A soja é usada principalmente como ração animal para elevar a produção de carne na UE.