Pesquisadora brasileira analisa impactos ambientais da indústria da moda
Livia Humaire destacou que cadeia de produção de roupas envolve microplásticos e agrotóxicos

No Dia Internacional do Lixo Zero de 2025, celebrado nesse 30 de março, a mensagem das Nações Unidas destacou os impactos da indústria da moda na produção de resíduos.
A especialista em negócios ecológicos e pesquisadora da Universidade de Coimbra, Lívia Humaire, já orientou mais de 100 empreendedores e companhias na adaptação para modelos mais sustentáveis.
Microplásticos e agrotóxicos
Segundo ela, a indústria de roupas é nociva em diferentes aspectos, incluindo na dimensão social, devido a processos de terceirização da produção em países mais pobres, para gerar produtos de baixo custo e durabilidade, a chamada “fast fashion”.
Livia Humaire afirma que os materiais usados também são foco de preocupação. Ela falou à ONU News de Basiléia, na Suíça
“Quando a gente vai para impactos ambientais, a gente pode falar de impactos de tecidos, que são tecidos que talvez não sejam 100% de algodão e são aqueles que têm poliéster envolvido na produção. E tudo isso durante as lavagens emite bilhões e bilhões de partículas de microplásticos”.
Humaire ressalta que a cadeia produtiva, mesmo quando envolve matérias-primas naturais, pode ser marcada pelo uso de pesticidas e agrotóxicos que causam danos à natureza.
Mesmo algumas tentativas de adotar práticas ecológicas devem ser analisadas com cuidado. Um exemplo, segundo ela, vem de uma empresa que visava inserir garrafas pets recicláveis na composição de tecidos de algodão.
Materiais sustentáveis na produção de tecidos
Para a pesquisadora, a proposta seria nociva por causar a liberação de microplásticos na lavagem das roupas. Esse tipo de material reciclado seria mais adequado para mochilas à prova d’água e capas de chuva, que não precisam ser lavados.
Livia Humaire deu exemplos positivos como uma grande rede varejista de roupas no Brasil que adotou o algodão orgânico e viscose certificada na sua produção de tecidos.
Com isso, toda a cadeia produtiva passou a se focar nesses elementos, beneficiando o acesso de marcas menores a esses materiais menos agressivos ao meio ambiente.
Um movimento global abalado por choques econômicos
Humaire explicou que o ideia do Lixo Zero existe desde a década de 70 e alcançou importante vitórias, como pequenos movimentos e iniciativas locais impulsionando grandes mudanças em políticas públicas.
“Têm um sistema hegemônico, tem a grande cultura do descarte, falando para a gente todos os dias: ‘compre, use o mínimo possível, descarte o mais rápido possível’. E essas iniciativas, esses ativistas estão falando “não”, a gente pode fazer diferente. Não só a gente pode fazer diferente, porque muitos movimentos eles ficam muito no discurso, o movimento de Zero Waste (Lixo Zero) tem um componente muito prático. Então, não só é possível fazer diferente, como está aqui uma solução para a pasta de dente, está aqui uma solução para a água”.
Os efeitos dessas lutas se materializaram em leis que proíbem canudos e sacolas plásticas e estimulam a produção de produtos descartáveis em várias partes do mundo.
A pesquisadora brasileira, que estuda o movimento Lixo Zero, alertou que os pequenos empreendedores por trás de muitas soluções inovadoras têm baixa resiliência econômica para lidar com choques financeiros.
Ela conta que muitos tiveram seus projetos abalados pela pandemia de Covid-19 e ainda não conseguiram se reerguer. Para a pesquisadora, políticas públicas direcionadas para essas pequenas alternativas precisam de apoio urgente para não desparecer.

Barreiras culturais em Moçambique e Cabo Verde
Sobre pesquisas realizadas em países de língua portuguesa, a especialista considera que essas nações africanas ainda têm uma barreira cultural para que iniciativas isoladas ganhem força na sociedade.
“Tem uma coisa que eu identifiquei em Moçambique, também em Cabo Verde, por uma questão econômica mesmo, essas iniciativas têm um impacto cultural ainda muito pequeno. Diferente do Brasil, por exemplo, que a gente teve um movimento muito pulsante, em Portugal também e em várias partes da Europa. Movimentos muito conscientes, com muitas iniciativas abertas, muitas iniciativas com a bandeira do movimento No Waste (Lixo Zero). Em Moçambique ou em outros lugares do continente africano, a gente vê iniciativas muito isoladas justamente por essa questão cultural e por uma questão de indicadores socioeconômicos do continente”.
De acordo com Livia Humaire, em Moçambique, algumas medidas positivas, como proibição de canudos e sacolas plásticas, foram estabelecidas diretamente no nível de políticas públicas, sem passar por um processo de transformação cultural. Por isso, a população ainda apresenta uma baixa adesão.
*Felipe de Carvalho, da ONU News.
Fonte: ONU News – Imagem: Unsplash/Arturo Rey