Pesquisador brasileiro relata instabilidade das geleiras da Antártica
Neste primeiro Dia Mundial das Geleiras, a ONU News entrevistou o professor Jefferson Simões

As geleiras armazenam 70% da água potável do planeta, mas em muitas regiões do mundo, elas deixarão de existir até o fim deste século, se continuarem derretendo ao ritmo atual.
O alerta partiu de especialistas climáticos da ONU para marcar o primeiro Dia Mundial das Geleiras, neste dia 21 de março.
Retração acelerada das geleiras
A ONU News conversou com o pesquisador brasileiro Jefferson Simões, que liderou uma expedição de circunavegação na Antártica, entre novembro e janeiro, para analisar os efeitos da mudança climática no continente gelado.
“Ficou mais evidente, para nós, que a parte mais ao norte da Antártica, a Península Antártica, mostra uma rápida perda de geleiras. As geleiras estão retraindo muito rapidamente. É um processo que já iniciou 30 anos atrás, mas está se acelerando. Nas ilhas mais ao norte da península, temos já um esverdeamento de algumas dessas ilhas, ou seja, as áreas deglaciadas começam a apresentar uma expansão de campos de musgos e também de aparecimento de algumas gramíneas”.
Simões, que foi o primeiro brasileiro a se especializar em glaciologia, liderou a expedição de 70 dias com uma equipe de 57 pesquisadores de sete países.
Ele explicou que o que está ocorrendo com o gelo da Antártica deve causar um aumento do nível do mar de 1,20 metros até 2100.
Escala catastrófica de aumento do nível do mar
De acordo com o pesquisador, existe um cenário ainda mais perigoso, que pode resultar do colapso de geleiras que estão, cada vez mais, instáveis devido ao aquecimento da atmosfera e do oceano.
“Existe a hipótese que parte da Antártica, do manto de gelo da Antártica, mais concretamente, é instável dinamicamente e poderia, num processo que ultrapasse um ponto de ruptura, colaborar ou contribuir para o aumento do nível do mar em até 7 metros até 2300, o que seria então já numa escala catastrófica”.
O glaciólogo brasileiro, que integra o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, Ipcc, afirmou que o sistema climático do planeta é “indivisível”, sendo o continente gelado uma peça essencial.

Impactos no Brasil
“A Antártica é tão importante quanto a Amazônia nos processos de mudanças do clima e nos processos de regulação do clima. Na verdade, a Antártica é um sorvedouro da massa de ar frio, da energia. A energia é transportada dos trópicos para lá, principalmente, mas para o Ártico também. Então, nós estamos já vendo algumas consequências do bloqueio das massas de ar frias que chegam ao Brasil. Isso, é claro, devido exatamente a processos que estão ocorrendo simultaneamente, como o superaquecimento do Cerrado, dificultando a penetração das massas frias até o sul da Amazônia, o que é o normal de ocorrer durante o inverno”.
De acordo com ele, as intensas chuvas que causaram destruição no Rio Grande do Sul, em abril e maio de 2024 foram um reflexo das dificuldades na movimentação de massas de ar frio, num contexto de mudança climática.
Para o pesquisador, impactos do aquecimento na Antártica também podem afetar o Brasil devido a mudanças nas correntes oceânicas e ao aumento do nível do mar, que deve impactar todo o litoral do país.
Disputas geopolíticas e comerciais nos polos da Terra
Tendo participado de expedições à Antártica desde 1992, Simões alertou para uma nova realidade de interesses comerciais e políticos que ameaçam ainda mais a estabilidade das geleiras.
“As duas regiões polares passam por rápidas mudanças, não só ambientais, mas também políticas e de exploração e explotação de recursos naturais. E nós estamos vendo. E na Antártica isso modificou muito. Nós tínhamos o mito de um continente relativamente isolado, pouco explorado, com dificuldades logísticas, inclusive para ser atingida no seu interior. E as expedições basicamente governamentais. Desde então, nós estamos vendo essas modificações, que se refletem não só nas geleiras e as geleiras mais quentes da Antártica, mas também de impactos na biota nos organismos tanto marinhos quanto na superfície”.
Para ele, a situação é “ainda mais crítica” no Ártico, onde está em curso um processo de “disputa geopolítica e militarização”.

Perda do estoque de água potável
O especialista destacou que as geleiras, especialmente as de montanha, têm um papel essencial no suprimento de água potável, sendo responsáveis por 70% do estoque global.
Ele afirmou que, ao contrário do que se diz, a maior bacia de drenagem de água potável no mundo não é a Amazônia, e sim a Antártica.
Simões também destacou que muitas geleiras de montanhas nos Alpes europeus, na cordilheira dos Andes, nas montanhas Rochosas e nos Himalaias já chegaram a um ponto em que não acumulam neve suficiente durante o ano e por isso estão desaparecendo, sem possibilidade de retorno.
Muitas cidades que dependem de geleiras para o abastecimento de água já estão sofrendo estresse hídrico.
Ele citou como exemplos locais Bolívia, Peru, e Argentina que já têm que racionar o estoque de água nos meses de seca.
Segundo a Organização Meteorológica Mundial, OMM, cinco dos últimos seis anos tiveram o recuo mais rápido de geleiras já registrado.
Fonte: ONU News – Imagem: Centro Polar e Climático da Ufrgs