
Uma das maiores fraudes já identificadas na Previdência Social veio à tona com a Operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal na última semana. O esquema envolvia o desvio de até R$ 6,3 bilhões de aposentados e pensionistas por meio de descontos irregulares aplicados diretamente na folha de pagamento dos beneficiários do INSS entre os anos de 2019 e 2024.
O escândalo atravessa governos e escancara fragilidades históricas na fiscalização de convênios firmados entre o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e associações de classe. As fraudes tiveram início ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) e se intensificaram sob a atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), período em que as investigações ganharam força e revelaram a profundidade do esquema.
De acordo com documentos da Polícia Federal (PF), da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ministério Público Federal (MPF), o esquema envolvia o pagamento de propina a servidores do INSS, uso de entidades de fachada e a atuação de lobistas, em um ciclo de corrupção sustentado por pequenas cobranças mensais que variavam entre R$ 20 e R$ 50 – valores aparentemente inofensivos, mas altamente lucrativos quando multiplicados por milhões de beneficiários.
O rastro do dinheiro
As investigações revelaram que os repasses às entidades eram feitos com base em convênios irregulares e sem a devida comprovação de prestação de serviços. Das 29 associações analisadas, 72% sequer entregaram a documentação necessária para firmar os acordos com o INSS. Onze delas foram alvo de medidas judiciais, com contratos suspensos a partir de 2023, quando a CGU intensificou a fiscalização.
Entre as entidades sob investigação estão Ambec, Sindnapi/FS, AAPB, AAPEN (ex-ABSP), Contag, AAPPS Universo, Unaspub, Conafer, APDAP Prev (ex-Acolher), ABCB/Amar Brasil e CAAP. Algumas dessas organizações tinham convênios antigos, como a Contag (desde 1994), enquanto outras foram firmadas já durante o governo atual, como a AAPEN (2023) e a APDAP Prev (2022).
Propina e favorecimento
As investigações apontam que ex-diretores do INSS receberam milhões por meio de intermediários. André Fidelis, ex-diretor de Benefícios, teria usado o próprio filho para movimentar mais de R$ 5 milhões. Alexandre Guimarães, ex-diretor de Planejamento, teria recebido ao menos R$ 300 mil por meio de empresa própria. Já o então procurador-geral do INSS, Virgílio Oliveira Filho, foi afastado após a PF rastrear repasses de mais de R$ 11 milhões ligados a ele e sua esposa, além da compra de um carro de luxo – um Porsche Taycan avaliado em R$ 500 mil.
Grande parte das transações foi operada por Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como “Careca do INSS”, apontado como o principal articulador do esquema. Ele teria movimentado mais de R$ 53 milhões entre entidades sindicais e empresas de fachada.
Impactos e consequências
A operação causou um terremoto dentro do governo federal. O presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, foi demitido, e outros quatro integrantes da cúpula do órgão foram afastados. Stefanutto teria atuado diretamente para facilitar os descontos em massa para a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), uma das entidades sob suspeita.
O Ministério da Previdência afirmou que os valores serão devolvidos às vítimas já na próxima folha de pagamento. Todos os convênios com associações estão suspensos. Em sua defesa, o ministro Carlos Lupi alegou ter tomado providências assim que foi informado das irregularidades, mas só concluiu a apuração em setembro de 2024, quase um ano após os primeiros alertas.
Reflexão necessária
Embora as investigações estejam apenas começando, o escândalo já deixa lições importantes. A permissividade institucional e a falta de controle sobre convênios com entidades associativas criaram terreno fértil para fraudes silenciosas e duradouras. Se o esquema começou discretamente na gestão anterior, foi na atual que a bomba explodiu – um reflexo não apenas de continuidade administrativa, mas também da eficácia (ou falta dela) na resposta aos alertas.
As ações da PF e da CGU revelam que é possível desarticular esquemas de corrupção de forma técnica e coordenada, mas também mostram que a vulnerabilidade do sistema permitiu que o golpe se prolongasse por anos. Mais do que punir os culpados, será preciso repensar o modelo de cooperação entre o INSS e entidades privadas, sob risco de que velhas práticas sigam se repetindo com novos protagonistas.
Edição: Damata Lucas – Imagem: Freepik