
São João del-Rei (MG) – Durante sua participação nas homenagens pelos 40 anos da morte do ex-presidente Tancredo Neves, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), evitou assumir uma posição clara sobre a votação do polêmico projeto de lei que propõe anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram invadidas e depredadas por apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Segundo Motta, o tema segue sem previsão para entrar na pauta de votação da Câmara e, apesar da pressão de setores mais conservadores do Congresso, ele defendeu que o foco do Parlamento deve estar em pautas consideradas prioritárias pela população, como saúde, educação e segurança pública.
“É gastarmos energia com aquilo que realmente venha a representar para o país avanços em muitos problemas que nós temos na saúde, na educação, na segurança pública. E penso que o parlamento tem que focar nessa agenda, que é o que realmente a população espera de nós nesse momento”, declarou o presidente da Casa.
Tema divide o Congresso e reacende tensões entre os poderes
Desde que o projeto de anistia começou a circular entre os parlamentares, o tema se tornou um dos mais controversos da atual legislatura. De um lado, deputados e senadores ligados à base bolsonarista pressionam para que o projeto avance, alegando perseguição política e tratamento desproporcional por parte do Judiciário. De outro, partidos de centro e esquerda criticam o projeto, argumentando que ele representa um retrocesso democrático e pode abrir precedentes perigosos para a impunidade de crimes contra o Estado democrático de direito.
Motta, que assumiu a presidência da Câmara em fevereiro deste ano, adotou uma postura cautelosa:
“Eu tenho procurado, na nossa gestão, há pouco mais de dois meses, conduzir a casa com muita serenidade, com muito equilíbrio. Essa será mais uma discussão que nós vamos conduzir dessa forma, ouvindo a todos, para que o Brasil possa sair dessas discussões mais forte”, afirmou.
Anistia: entenda o projeto e seus impactos
O projeto de anistia, ainda em fase de tramitação inicial, propõe a exclusão de responsabilidade criminal e administrativa de participantes dos atos do 8 de janeiro, desde que não tenham cometido violência direta ou dano ao patrimônio público. A medida, porém, é vista com reservas por entidades jurídicas, defensores da democracia e pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que já condenou mais de 100 pessoas pelos ataques.
Para críticos, a proposta contraria princípios constitucionais e pode enfraquecer o esforço institucional de combate ao extremismo político. Já os defensores afirmam que muitos dos envolvidos foram “induzidos” ou apenas participaram de forma passiva, e que o sistema judiciário tem agido com severidade excessiva.
Repercussão no Senado e entre líderes partidários
Embora a Câmara seja o foco inicial da discussão, o tema também tem gerado ruído no Senado. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já declarou que é necessário “cautela e responsabilidade” ao lidar com o assunto, especialmente pela gravidade dos acontecimentos de 2023.
Fontes internas indicam que não há consenso entre as lideranças partidárias sobre o avanço do projeto, e a tendência é que ele fique em compasso de espera até que o cenário político esteja mais favorável.
Tancredo e a democracia
O simbolismo do local da fala de Hugo Motta não passou despercebido. Ao participar das homenagens a Tancredo Neves — figura central da redemocratização brasileira e primeiro presidente civil eleito após o regime militar — o presidente da Câmara reforçou o tom conciliador e institucional, em contraste com o ambiente polarizado que ainda marca o Congresso Nacional.
Edição: Damata Lucas – Imagem: