Morte de Francisco – Na ONU, Papa prometeu rezar pelo mundo, mas também pediu as orações do povo
Em discurso na Assembleia Geral, em 2015, pontífice falou de injustiça social, combate à pobreza e à mudança climática

O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que se junta ao luto global pelo falecimento do Papa Francisco, nesta segunda-feira, a quem chamou de “mensageiro de esperança, humildade e humanidade”. Para Guterres, o líder máximo da Igreja Católica foi uma “voz transcendente em prol da paz, da dignidade humana e da justiça social”, deixando um legado de fé, serviço e compaixão.
O secretário-geral lembrou que o pontífice “foi um homem de fé para todas as religiões” e afirmou que as Nações Unidas foram profundamente inspiradas por seu compromisso com os objetivos e ideais da organização.
Guterres enfatizou que o Papa Francisco também teve um papel importante na proteção do planeta, lembrando que sua Encíclica Papal, o “Laudato Si”, foi uma contribuição importante para a mobilização global que resultou no histórico Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.
Jorge María Bergoglio foi o primeiro papa do continente americano. Nascido em 17 de dezembro, de 1936, era um dos cinco filhos de imigrantes italianos.
Jesuíta, antes de assumir o posto máximo na Igreja Católica Apostólica Romana, ele exerceu sua carreira episcopal como padre, viajando de metrô, de carro e a pé para assistir as comunidades da Argentina, seu país natal.
“Eu sou um desses pobres”
A página da Santa Sé na internet lembra que o papa dizia: “O meu povo é pobre e eu sou um deles”. Assim que foi confirmado como pontífice fez questão de voltar ao albergue em Roma, onde se hospedou como cardeal. Trocou o carro de luxo, por um fiat modelo econômico, e surpreendeu pela simplicidade e os chamados “pés no chão”, de um percurso inteiro dedicado ao próximo.
Já como cardeal de Buenos Aires, Bergoglio criticou a crise econômica de 2001 cruzando uma barreira que poucos cruzam.

Ordenado por João Paulo II
Antes de se decidir pelo sacerdócio se formou como técnico químico.
Na universidade, cursou filosofia depois de completar estudos humanísticos no Chile. Ensinou psicologia e, em 1970, concluiu teologia, foi para a Espanha e ao retornar à Argentina, em 1973, e em plena ditadura militar, passou seis anos como provincial dos jesuítas.
Na década de 80, foi reitor do Colégio São José, onde se formou. Em 1986, se mudou para a Alemanha e concluiu doutorado. Em 1992 se tornou bispo, o posto de cardeal chegaria em 21 de fevereiro de 2001 pelas mãos do papa João Paulo Segundo.
Naquela época, o argentino pediu aos conhecidos e fiéis que não fossem a Roma prestigiá-lo, mas que usassem o dinheiro para combater a pobreza.
O papa doutor escreveu alguns livros incluindo “Meditações para religiosos”, em 1982, “Reflexões sobre a vida apostólica” em 1986 e seis anos depois, assinou “Reflexões de esperança”.
Admiração de Bento 16 e dedicação à ONU
E essas reflexões impressionaram um colega alemão: o cardeal Joseph Ratzinger, mão direita do papa João Paulo, que foi Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Ratzinger, que foi eleito como papa Bento 16, em 2002, admirava o poder de análise de Bergoglio, que 11 anos depois o substituiria no maior posto da Igreja Católica.
Eleito papa em 2013, o argentino se tornou um grande apoiador do trabalho humanitário das Nações Unidas visitando as três agências da ONU sediadas em Roma, FAO, WFP e Ifad. Ali, ele emprestava sua voz àqueles que não têm voz.
No ano passado, durante o Dia do Vaticano para as Crianças, Francisco compareceu ao Estádio Olímpico de Roma para saudar mais de 70 mil crianças, muitas de países arrasados por guerras e conflitos. Um evento que contou com a líder do Unicef, Catherine Russell.
Durante a pandemia de Covid-19, ele falou por vídeo conferência à Assembleia Geral. Segundo ele, aquele era um momento e uma oportunidade de repensar a forma de viver, de fazer uma pausa e decidir, de verdade, o que realmente importava.
Para o papa, a pandemia era o momento de escolher entre o que era necessário e o que não era.

“Covid: oportunidade de criar mais fraternidade”
Em seu discurso, o papa não deixou de notar que o mundo estava entrando por um caminho de nacionalismo, protecionismos e isolamentos que se esqueciam dos habitantes das periferias e aumentavam a distância entre pobres e ricos.
Para ele, aquela era a oportunidade de criar uma sociedade mais fraterna para todos.
Uma mensagem que se assemelhava bastante a do próprio secretário-geral da ONU, António Guterres, recebido no Vaticano, em 20 de dezembro de 2019.
Ao lado do pontífice, e a cinco dias do Natal, Guterres apelou por paz e harmonia.
O secretário-geral lembrou que esse era o espírito do Natal de Cristo e da visão do papa, de seus conselhos e exemplo de vida.
Assim como o secretário-geral, outros altos funcionários da ONU, chefes de Estado e governo e celebridades tiveram audiências com o papa Francisco.

“Que você lute lindamente…”
Em 2018, ele se mostrou entusiasmado com a eleição da primeira mulher da América Latina a presidente da Assembleia Geral: a equatoriana María Fernanda Espinosa. Um mês após tomar posse, Espinosa teve uma audiência privada com o papa. Ao se despedir, Franciso ofereceu um conselho que ia muito além das conversas protocolares, pedindo à chefe do maior órgão da ONU que seguisse construindo um mundo melhor.
O papa disse à presidente 73 da Assembleia Geral, María Fernanda Espinosa, que desejava o melhor para a vida dela e que “ela lutasse lindamente.”
Mas, o último líder do órgão a ter uma audiência papal foi o de número 78, o embaixador de Trinidad e Tobago, Dennis Francis, em 29 de julho de 2024.
Francis descreveu a audiência como um de seus momentos mais preciosos na Presidência quando ouviu do papa que tinha o apoio do Vaticano para evitar que mais ações humanas destruíssem o meio ambiente.

Aumento do nível do mar
Em abril de 2024, Dennis Francis liderou na ONU a Semana da Sustentabilidade e depois uma resolução pioneira sobre o combate ao aumento do nível do mar, que chamava a atenção para desaparecimentos de países e populações inteiras.
E apesar de ser considerado um “papa pop” e tratado como celebridade pelos seus pares, Jorge Maria Bergoglio nunca foi afeito a holofotes. Ele achava que a vaidade de “se colocar no centro”, citando o jesuíta francês e cardeal, Henri-Marie de Lubac, morto em 1991, era uma “mundanidade espiritual”.
Para Francisco, a receita era simples: quem segue a Cristo não se preocupa em “aparecer” e não “espezinha” ninguém.
E assim ele procedia. Próximo de seu rebanho de fiéis sem perder o bom humor. Uma vez, um brasileiro pediu as orações dele, na Praça São Pedro, para o povo do país. Ele em tom jocoso disse: “Vocês brasileiros não têm salvação”, arrancando gargalhadas de todos.
É preciso combater o problema na raiz
O papa também sabia ser enérgico sobre temas urgentes da agenda internacional. E em outubro de 2017, na FAO, em Roma, ela falou da relação da fome com a migração.
Para Francisco, era preciso chegar à raiz do problema e não tratar o assunto de forma superficial. Os conflitos estavam ligados à fome e a movimentos migratórios.
Na sede do Programa Mundial de Alimentos, WFP, ele exortou os funcionários a não esmorecer.
“Não se deixem vencer pelo cansaço, creiam no que fazem e ponham entusiasmo nisso. Essa é a forma de a semente da generosidade florescer com força.”

“Rezem por mim, eu vou rezar por vocês”
Nos países de língua portuguesa, o papa parecia se sentir em casa. Além do vizinho Brasil, ele esteve em Moçambique em setembro de 2019, em Portugal em 2023, e em Timor-Leste um ano depois.
E num momento ímpar, ele falou a funcionários da ONU após um discurso na Assembleia Geral sobre fé e perseverança, em 2015.
Ali não somente se ofereceu para rezar por todos, mas pediu que cada um também rezasse por ele. Com essas palavras, o papa se despediu daquele grupo de pessoas de todo o mundo, uma representação simbólica de uma enorme base de admiradores dele espalhados pelo globo.
Fonte: ONU News – Imagem: ONU/Evan Schneider