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Tarcísio Meira e Paulo José deixam a dramaturgia brasileira de luto

Um dos grandes nomes da TV brasileira, Tarcísio Meira morreu, aos 85 anos, nesta quinta-feira. O ator recebeu diagnóstico positivo para Covid-19 em 6 de agosto e não resistiu às complicações decorrentes do vírus.

Meira contraiu o coronavírus junto a sua mulher, Glória Menezes, de 86 anos. Eles estavam juntos desde 1962, e haviam tomado a primeira dose da vacina contra Covid-19 em março, e a segunda em abril. Desde então, o casal estava isolado no sítio da família, em Porto Feliz, no interior de São Paulo.

Se existiu um rosto no fim do século 20 que melhor representou o papel do galã no país foi o de Tarcísio Meira, ator paulistano que marcou sua passagem pela TV brasileira interpretando homens viris, inteligentes e, com frequência, ricos.

Assim eram, por exemplo, o executivo Renato Vilar, da novela “Roda de Fogo”, de 1986, e o escritor Euclides da Cunha, da minissérie “Desejo”, de 1990, para lembrar dois momentos altos na trajetória deste ator de voz limpa e queixo anguloso.

Tarcísio Magalhães Sobrinho —esse era seu nome de batismo— nasceu em outubro de 1935 e não pensava em seguir carreira na televisão quando era adolescente. Estudou para ser diplomata, foi reprovado no vestibular e acabou investindo numa opção que até então considerava ser um hobby –o teatro.

Os primeiros passos rumo ao estrelato foram dados num grupo amador do clube Pinheiros nos anos 1950. Foi ali que Tarcísio, jovem filho de um dentista com uma dona de casa de quem resgatou o sobrenome Meira, descobriu sua vocação, para o drama principalmente e para raros momentos cômicos.

Em 1959, estreou no teatro profissional num espetáculo com a direção de Sérgio Cardoso, “O Soldado Tanaka”, com texto do alemão George Kaiser.

Não demorou para que fosse descoberto pela televisão. No mesmo ano, conseguiu um papel no teleteatro da TV Tupi. Fez o episódio “Noites Brancas”, adaptação de obra do russo Fiódor Dostoiévski.

Dois anos depois, em “Uma Pires Camargo”, também uma peça de teleteatro, contracenou pela primeira vez com Glória Menezes, com quem se casou cerca de um ano depois e teve seu único filho, Tarcísio Filho, de 56 anos, também ator.

Com fama de casal exemplar, Tarcísio Meira e Glória Menezes, protagonizaram, em 1967, a primeira telenovela integralmente assinada por Janete Clair, “Sangue e Areia”.

​Ainda jovem, com seu 1,81 metro de altura, Meira consolidou fama como intérprete de protagonistas da Globo. Fez “Escalada”, de 1975, novela de Lauro César Muniz, dramaturgo com quem voltaria a trabalhar em “Roda de Fogo”, por exemplo. As participações na televisão somaram mais de 50 obras.

Os papéis de época também ganharam notoriedade. Na minissérie “Grande Sertão: Veredas”, de 1985, adaptação do livro de Guimarães Rosa para a televisão, exibida pela Globo, interpretou o cangaceiro Hermógenes; no mesmo ano, também fez Capitão Rodrigo, papel central da minissérie épica “O Tempo e o Vento”, de 1985, uma adaptação de obra de Érico Veríssimo.

Sua passagem pelo cinema se concentra nos anos 1970 e 1980, quando trabalhou com grandes diretores brasileiros, entre eles Glauber Rocha –em “A Idade da Terra”, de 1980– e Walter Hugo Khouri –em “Amor Estranho Amor”, de 1982, e “Eu”, de 1987. Foi muito elogiado por sua atuação no filme “República dos Assassinos”, de 1979, obra de Miguel Faria Júnior, em que interpretou um homem austero passando pelo universo de grupos de extermínio, dentro de corporações policiais.

Tarcísio Meira também marcou o cinema nacional com o famoso beijo na boca que deu no ator Ney Latorraca no longa “Beijo no Asfalto”, adaptação da peça de Nelson Rodrigues dirigida por Bruno Barreto, levado à telona em 1981.

Nos anos 1990, o ator se concentrou em suas atividades na TV. Atuou em “De Corpo e Alma”, de 1992, “Fera Ferida”, de 1993, “Pátria Minha”, de 1994, e “Torre de Babel”, de 1998. Mais recentemente, interpretou Aristide, de “Páginas da Vida”, de 2006, novela de Manoel Carlos, e o patriarca Frederico Copola, de “A Favorita”, de 2008, novela na qual voltou a contracenar com a mulher, Glória Menezes.

O casal também esteve junto sobre o palco em “Um Dia Muito Especial”, de 1986, adaptação do filme italiano “Una Giornata Particulare”, de 1977, estrelado por Marcello Mastroianni e Sophia Loren. Foi um raro retorno de Tarcísio Meira ao teatro.

Mais recentemente, Meira interpretou um empresário corrupto em “A Lei do Amor”, de 2016, e chegou a participar de “Orgulho e Paixão”, de 2018, mas deixou o elenco devido a problemas de saúde.

Em 2015, ele quebrou um hiato de 20 anos sem atuar no teatro para viver o protagonista da peça “O Camareiro”, um ator adoecido e de idade avançada que tem dificuldades de se locomover e lembrar as falas de sua última peça. Ele reprisou o papel em 2019, aos 83 anos.

Em setembro do ano passado, em meio à pandemia e à ascensão do streaming, a Globo demitiu Tarcísio Meira, Glória Menezes, Antônio Fagundes e outros nomes de peso que, há décadas, eram exclusivos do canal. Meira e Menezes eram os mais antigos e estavam na Globo desde 1967, num total de 53 anos na emissora.
Entre os prêmios que recebeu em sua trajetória estão de melhor ator, oferecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte, por sua atuação na minissérie “A Muralha”, de 2000, da Globo. Paralelamente à carreira, também se dedicou a atividades agrícolas. Gostava de plantar e era dono de terras.

Paulo José

Também morreu nessa quarta-feira (11), aos 84 anos, o ator e diretor Paulo José, um dos maiores nomes da dramaturgia brasileira, em decorrência de pneumonia. A informação foi confirmada ao UOL pela TV Globo. Segundo o comunicado enviado pela emissora carioca, ele estava havia 20 dias internado em um hospital no Rio de Janeiro.

O ator foi diagnosticado com Parkinson —doença degenerativa que afeta o sistema nervoso central e não tem cura—, em 1993. Mas seguiu trabalhando enquanto pôde. Em 2014 atuou na novela “Em Família” (Globo), interpretando um personagem que também tinha Parkinson. Foi seu último trabalho na TV. No cinema, foi homenageado com o documentário “Todos os Paulos do Mundo” em 2018, filme que revê sua carreira a partir dos filmes que protagonizou.

Paulo José foi casado com as atrizes Dina Sfat, Bethe Caruso e Zezé Polessa, e deixou quatro filhos: Ana, Bel e Clara Kutner —do seu relacionamento com a primeira— e Paulo Henrique — de sua relação com a segunda.

O gaúcho começou no teatro ainda em Porto Alegre, onde fundou em 1955 o Teatro de Equipe — ao lado de nomes como Lilian Lemmertz. Em 1962, ele esteve no grupo que adquiriu o Teatro de Arena, com astros do calibre de Gianfrancesco Guarnieri, Augusto Boal, Juca de Oliveira, Paulo Cotrim e Flávio Império.

Sua estreia na televisão foi em 1969, com “Veu de Noiva”, já na TV Globo. Seu personagem mais marcante foi o mecânico Shazan, da novela “O Primeiro Amor”, de 1972, que fazia uma dobradinha com Xerife (Flávio Migliaccio).

Depois os dois ganharam seu próprio seriado, o “Shazan, Xerife e Cia”, em que os dois também eram responsáveis por escrever e dirigir os capítulos que foram ao ar entre 1972 e 1974.

Ao longo de mais de 60 anos de carreira, atuou em mais de 20 novelas e minisséries, segundo a TV Globo. Entre os destaques estão ‘Roda de Fogo’ (1986), ‘Tieta’ (1989), ‘Vamp’ (1991) e “Agora É que São Elas’ (2003), de Ricardo Linhares, escrita a partir de uma ideia original do próprio Paulo José.

Muitos artistas foram às redes para lamentar a morte do ator. Selton Mello, que o dirigiu no filme “O Palhaço” (2011), fez uma postagem emocionada no Instagram há dois dias, na qual celebrava o papel de dom Pedro 2º na novela “Nos Tempos do Imperador” (Globo) e o dedicava a Paulo José. “Este trabalho é dedicado ao meu maior mestre: Paulo José. […] Meu amor por ele é gigante. Paulo, eu faço meu trabalho pensando sempre em como você faria.”

Nota da TV Globo

Confira a nota da emissora carioca na íntegra:

“Um dos maiores nomes da nossa dramaturgia, como ator e diretor, e também dono de uma voz marcante, Paulo José é daqueles artistas de quem o público sempre se sentiu próximo. Nas últimas décadas, entrou em nossas casas por meio de uma infinidade de personagens que ficam, assim como ele, para a história. Paulo José morreu nesta quarta-feira, 11 de agosto, aos 84 anos, no Rio de Janeiro. Ele estava internado há 20 dias e faleceu em decorrência de uma pneumonia. Deixa esposa e quatro filhos: Ana, Bel e Clara Kutner, de seu relacionamento com a atriz Dina Sfat, além Paulo Henrique Caruso.

Paulo José Gómez de Souza nasceu em Lavras do Sul, interior do Rio Grande do Sul, em 20 de março de 1937. Teve o primeiro contato com o teatro ainda na escola, iniciando a carreira no teatro amador anos mais tarde, em Porto Alegre. No início dos anos 60, Paulo José foi morar em São Paulo e começou a trabalhar no Teatro de Arena, onde exerceu diferentes funções. A primeira peça em que trabalhou como ator foi ‘Testamento de um Cangaceiro’, de Chico de Assis, em 1961.

Estreou na Globo como ator na novela ‘Véu de Noiva’, de Janete Clair, em 1969. Seu primeiro grande personagem foi o mecânico-inventor Shazan, que formava uma dupla bem-humorada com Xerife, personagem de Flávio Migliaccio, na novela ‘O Primeiro Amor’ (1972), de Walther Negrão. A dobradinha fez tanto sucesso que deu origem ao seriado ‘Shazan, Xerife e Cia.’, escrito, dirigido e interpretado por Paulo e Flávio entre 1972 e 1974. Outros personagens marcantes foram o comerciante cigano Jairo em ‘Explode Coração’ (1995), de Gloria Perez, e o alcóolatra Orestes de ‘Por Amor’ (1997), de Manoel Carlos.

Ao longo de mais de 60 anos de carreira, atuou em mais de 20 novelas e minisséries, entre elas, ‘Roda de Fogo’ (1986), de Lauro César Muniz; ‘Vida Nova’ (1988), de Benedito Ruy Barbosa; ‘Tieta’ (1989), de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares; ‘Araponga’ (1990), de Dias Gomes, Ferreira Gullar e Lauro César Muniz; ‘Vamp’ (1991), de Antonio Calmon; ‘O Mapa da Minha’ (1993), de Cassiano Gabus Mendes; ‘Agora é Que São Elas’ (2003), de Ricardo Linhares, escrita a partir de uma ideia original do próprio Paulo José; ‘Senhora do Destino’ (2004), de Aguinaldo Silva; ‘Um Só Coração’ (2004) e ‘JK’ (2006), minisséries de Maria Adelaide Amaral e Alcides Nogueira; ‘Caminho das Índias’ (2009), de Gloria Perez; e ‘Morde & Assopra’ (2011), de Walcyr Carrasco.

Como diretor, participou de alguns episódios de ‘Casos Especiais’ na década de 1980, e das minisséries ‘Agosto’ (1993), adaptação de Jorge Furtado e Giba Assis Brasil do romance de Rubem Fonseca; ‘Memorial de Maria Moura’ (1994), adaptação de Jorge Furtado e Carlos Gerbase da obra de Rachel de Queiroz; e ‘Incidente em Antares’ (1994), adaptação de Nelson Nadotti e Charles Peixoto do livro homônimo de Erico Veríssimo. Ele também fez parte da equipe que implementou o programa ‘Você Decide’.

Sempre ativo e atuante, mesmo depois de descobrir o Mal de Parkinson, doença que o acompanhou por mais de 20 anos, Paulo José sempre esteve preocupado com a valorização do ofício de ator no Brasil, sendo nome de destaque na luta pela regulamentação da profissão no final dos anos 70.

Mesmo com a carreira consolidada na TV, Paulo José nunca abandonou o teatro e o cinema. Na telona, participou de filmes importantes na história do cinema brasileiro, como ‘Macunaíma’ (1969) e ‘Todas as Mulheres do Mundo’ (1966).

Sua última e mais emocionante aparição na TV foi como o vovô Benjamin na novela ‘Em Família’ (2014), de Manoel Carlos. Ele era o pai de Virgílio (Humberto Martins) e, como na vida real, seu personagem sofria de Mal de Parkinson.”

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