Geral Nacionais Política

Fora dos discursos, pré-campanha para 2022 não dá lugar a negros e negras

O geógrafo Milton Santos, em sua proposta de “uma outra globalização”, falou de duas formas de compreender o mundo neste processo marcado pelo capitalismo global. A primeira delas é entendê-lo como “fábula”, ou, o mundo como querem que vejamos. A segunda ele diz que é “o mundo como ele realmente é”: perversidade.

Estamos já totalmente inseridos na corrida presidencial para 2022. Candidatos se articulam, fazem alianças, convidam nomes, conversam, se atacam. Este é o momento de começar a apresentar o que há “de novo” para o país, como alternativa, solução, compromissos. E inevitavelmente, uma agenda que se impôs parece ter sido a questão da diversidade, e, sobretudo, a questão racial.

Um ano após o brutal espancamento (e morte) de Beto Freitas nas dependências do Carrefour em Porto Alegre (RS), e na esteira da mobilização antirracista global após o igualmente brutal assassinato de George Floyd nos Estados Unidos, raça e racismo passaram a ser fatores cruciais no debate político.

No Brasil, “racismo estrutural” virou tão comum quanto “feijão com arroz”. As empresas, acreditando ou não na eficácia disso, correram para mudar a imagem de que a presença de negros era irrelevante, os partidos agora têm a obrigação de destinar recursos para candidaturas negras.

Chegamos ao dia da Consciência Negra com o Senado aprovando a equiparação de injúria racial ao crime de racismo. Todos os candidatos (ou pré) à Presidência da República têm sido cuidadosos ao falar do tema, ou enfrentado críticas profundas quando se equivocam.

Parece que os candidatos —de “todas as vias”— entenderam que a pauta racial se impôs popularmente, principalmente nas redes sociais. Propostas antirracistas e diálogo com lideranças negras não ficarão de fora de seus projetos. Essa é a fábula.

Mas todos os candidatos também sabem que, no Brasil, a pauta racial não tem apelo ou exigência prioritária da grande mídia (são todos brancos), da alta classe econômica (são todos brancos) e, muito menos, do mercado financeiro (são todos brancos). Logo, raça e racismo parece crucial, parece ser sobre o país, mas não tanto. Esta é a perversidade.

Uma das “características” da chamada “terceira via”, não apenas no Brasil, mas em qualquer lugar em que ela se coloca, é que, além de se pressupor que ela é uma alternativa mais recente com relação a duas outras já postas, ela geralmente apresenta um caminho de propostas ou práticas que é o “diferente” com relação às vias antigas.

Pois bem, no tabuleiro do jogo político para a corrida eleitoral de 2022, a “terceira via” tentou pensar em tudo que considera relevante para se manter “diferente” das duas principais alternativas postas —a saber: Lula (PT) e Bolsonaro (sem partido). Mas ninguém na terceira via pensou em apresentar um candidato negro à presidente ou vice.

Estamos em 2022 e os argumentos que rechaçam a ideia de que essa concentração de poder segue obedecendo o roteiro racista de negação de acesso a negros e negras ainda é a presença de Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal, que Benedita “chegou” a ser governadora do Rio de Janeiro, e que Marina Silva foi candidata à Presidência da República e já foi muito “bem colocada”.

Não há dúvidas de que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva coincide com os anos das maiores conquistas para a população negra, sobretudo para a juventude negra na área da educação (embora negros continuem sendo os mais assassinados nas favelas e mais encarcerados pela política de guerra às drogas). Ainda assim, dividir o Palácio do Planalto com um nome negro não parece estar no horizonte nem mesmo do candidato petista.

Obviamente, ninguém esperaria isso de Bolsonaro. Não se deve esperar isso de quem não tem apreço pela democracia. Mas todos os partidos e postulantes ao Planalto que seguem achando não fazer diferença considerar fortemente que a questão racial do Brasil não significa apenas atender as demandas da população negra, mas principalmente reimaginar e propor um outro projeto de país e de democracia, estão errados.

A falta de interesse e esforço de partidos de todas as “vias” em buscar o nome de alguém negro para lançar à presidência ou compor uma chapa é proporcional ao espírito político de um país que, seguindo seu legado colonial e escravocrata, funciona na lógica antipreto no acesso às esferas máximas de poder. No fim, a lógica colonial do “branco salvador” permanece. “Diga-me quais são as demandas da sua comunidade, e eu farei o meu melhor”, prometem.

Obviamente, ser negro não torna ninguém automaticamente um bom governante, sensível, competente, democrata e defensor da diversidade. Não por acaso este governo ostenta seus negros-token, que são usados tanto para negar o racismo, quanto para desqualificar as desvantagens sociais da população negra.

É melhor ter um presidente branco comprometido com as necessidades, históricas e atuais, da população negra, do que ter um negro que negue séculos de usurpação de direitos do seu povo. Mas isso é formação política, para brancos e negros.

Assim, o fato de negros e negras continuarem invisíveis para a condição de presidenciável diz muito sobre o projeto de país menor que partidos. As mesmas mãos permanecem mantendo o poder.

Jogo do Poder

Uol/Ronilso Pacheco

Related Posts