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Com ministro ligado à segurança pública, Bolsonaro tenta articular base policial

Pela primeira vez, quem assume o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública é um ministro ligado à segurança e não à Justiça. Com a nomeação do delegado federal Anderson Torres, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta rearticular a base policial que tem ameaçado deixar de apoiar seu governo.

Nas últimas semanas, duas fortes associações de policiais, a UPB ( União dos Policiais do Brasil) e a OPB (Ordem dos Policiais do Brasil), divulgaram notas criticando a gestão bolsonarista.

A principal reclamação da categoria é a aprovação da PEC Emergencial pelo Congresso, com protocolos de contenção de despesas públicas e medidas em caso de descumprimento do teto de gastos, como contrapartida para o auxílio emergencial. O que, na prática, impede o aumento de salários dos policiais.

“Ao encaminhar um projeto chantagista ao Congresso e ao determinar a rejeição de destaque que visava a evitar danos substanciais aos profissionais de segurança pública, atuantes na linha de frente no combate a pandemia, o governo federal demonstrou que não cumpre e nem pretende cumprir as promessas de valorização dessas categorias”, afirmaram, se colocando em “estado de alerta e mobilização permanente”.

Para Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o que muda com o novo ministro é que ele atuou nos bastidores do Congresso e conhece bem o ecossistema das associações e as demandas dos policiais.

“Ele vai assumir para si a agenda da segurança pública e alinhar a pauta do Bolsonaro com a do associativismo, porque isso desestabilizou o governo”, afirmou.

O delegado, define Sérgio de Lima, é “conservador, polêmico, ligado ao presidente, não nos iludamos. Mas é pragmático, fazedor”. Para ele, pode ser uma virada de chave nas prioridades da pasta, que passaria a se concentrar na área da segurança.

Segundo os especialistas ouvidos pela Folha, o ministro também deve pressionar o Congresso para votar pautas com apelo entre os bolsonaristas, como redução da maioridade penal, excludente de ilicitude, revogação ou flexibilização do Estatuto do Desarmamento, regras mais rígidas para a progressão de regime e ampliação do limite de pena.

Na trajetória como delegado, Torres atuou em ações voltadas ao combate às organizações criminosas e à repressão ao tráfico internacional de drogas. Participou de investigações em conjunto com adidos de outros países em missão no Brasil e tem experiência em ciência policial, investigação criminal e inteligência estratégica.

Mas também passou grande parte da carreira como chefe de gabinete do ex-deputado federal Fernando Francischini (PSL-PR), bolsonarista de primeira hora. Assim, se aproximou de congressistas da chamada “bancada da bala”, um dos grupos de sustentação do governo Bolsonaro no Legislativo e que defende armar a população como política de segurança pública.

Para Arthur Trindade, professor da UnB (Universidade de Brasília) e ex-secretário da Segurança do DF, a posse do novo ministro nesta terça-feira (30) é “a bancada da bala que chegou lá”. “Não sabemos mais do que isso, do que ele vai fazer lá, se tem plano, política pública para a área”, disse.

No entanto, em nota conjunta endereçada a Bolsonaro, os deputados da bancada da bala e de 11 entidades representativas de profissionais da segurança criticaram a nomeação.

O grupo afirma que, enquanto foi secretário de Segurança Pública do governo do Distrito Federal e chefe de gabinete, Torres teve uma “atuação parcial”.

“Neste sensível momento de crise que o país e o mundo se encontram, a busca de uma gestão harmoniosa, valorizando inclusive as categorias que sempre estiveram em Vossa base de apoiamento, se faz uma medida necessária para a prevalência da boa ordem, e a busca do progresso”, afirma trecho da nota.

O deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), presidente da Frente Parlamentar da Segurança na Câmara e um dos líderes da bancada, disse que a indicação do delegado para o cargo não partiu da frente, que não foi consultada.

Já a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), onde Torres foi diretor de assuntos legislativos, e a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol) elogiaram o novo ministro.

“O delegado Anderson Torres reúne as qualidades necessárias para ocupar o cargo”, afirmaram. “A experiência e conhecimento amealhado à frente de uma das principais secretarias de Segurança do país certamente ajudarão o novo ministro a alcançar também na área federal bons resultados, por meio de coordenação efetiva entre os membros da federação e com a adoção de medidas que fortaleçam e garantam a atuação republicana das instituições de Estado.”

Torres é próximo ao ex-secretário-geral da PresidênciaJorge Oliveira, nomeado por Bolsonaro para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), e do ex-deputado federal Alberto Fraga, além de ter cultivado relações pessoais com os filhos do presidente, o senador Flávio (Republicanos-RJ) e o deputado Eduardo (PSL-SP).

No final de 2019, chegou a ser cotado para assumir o comando da Polícia Federal no lugar de Maurício Valeixo, pivô da demissão de Sergio Moro, mas teve o nome vetado pelo então ministro.

Desde o início daquele ano, o delegado exaltava os baixos números de homicídios sob sua gestão na pasta estadual da Segurança do DF, sem mencionar que o índice já vinha caindo há oito anos.

Ele também bateu bumbo quando os policiais do DF ganharam um aumento de até 25%, mas o valor foi uma promessa cumprida de Bolsonaro para os agentes, que já eram os mais bem pagos do país.

Torres vai assumir a pasta sem um grande legado deixado por André Mendonça, sua antecessor. O agora ex-ministro comemorou aumento das apreensões de drogas e bens do tráfico no ano passado, além de execução orçamentária recorde do Fundo Nacional da Segurança, mas, na prática, o país não viu cair os índices de criminalidade.

Ao contrário, os homicídios cresceram mesmo em meio ao isolamento social imposto pela pandemia, depois de uma sequência de quedas.

“Apreensão de drogas é mais do mesmo, obrigação e enxugar gelo. Ele assumiu um discurso, mas de prateleira. Não cobrou aos estados o envio dos planos estaduais de segurança, como contrapartida do recebimento de recursos, nem entrou em discussões sobre governança, integração ou valorização do policial”, afirmou Sérgio de Lima. (Com Folha)

Redação

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