O procurador-geral da República, Augusto Aras, acumula desgastes perante o STF (Supremo Tribunal Federal), o que tem dificultado sua relação com a corte e imposto um desafio em seu segundo mandato à frente da instituição.
Os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Edson Fachin usaram decisões recentes para fazer críticas públicas à atuação de Aras.
Entre os recados, os magistrados afirmaram que pareceres do PGR e de sua equipe geraram “perplexidade”, disseram que o chefe Procuradoria não pode assumir papel de “espectador” e até emitiram nota para afirmar que o órgão não havia se manifestado após ter sido provocado pela corte.
Além disso, um ofício assinado pelo procurador-geral, em que solicita ao tribunal a fixação de prazos maiores para suas manifestações, foi alvo de críticas nos bastidores do STF, por ser considerado um pedido incomum e despropositado.
O presidente da corte, Luiz Fux, enviou cópia do documento aos gabinetes, mas nenhum prazo regimental foi alterado após o pedido do procurador-geral.
Dentro da corte, havia uma leitura de que, após a recondução no cargo, Aras poderia se tornar mais independente em relação presidente Jair Bolsonaro.
A avaliação, no entanto, é que isso não tem se confirmado, mas esse cenário pode mudar caso o Senado aprove o nome de André Mendonça a uma vaga no STF, pois isso eliminaria as chances de Aras ser escolhido para a corte pelo atual chefe do Executivo neste mandato.
Na última semana, o desgaste do procurador-geral ficou ainda mais claro com a decisão de Cármen Lúcia de obrigá-lo a detalhar quais medidas adotará em relação a um pedido de parlamentares para investigar Bolsonaro por causa das falas golpistas nas manifestações do 7 de Setembro.
A magistrada fez duras críticas a uma estratégia que Aras tem adotado para aliviar pressões quando é instado a investigar o presidente ou seus aliados.
Em situações que envolveram Bolsonaro, seus filhos ou ministros próximos, como o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, Aras foi provocado a investigá-los e, como resposta ao Supremo, anunciou que já havia aberto apurações preliminares contra esses nomes.
O procurador-geral costuma afirmar que fará uma investigação prévia internamente e, caso encontre elementos, pedirá a abertura de inquérito perante a corte. Na maioria dos casos, as investigações são arquivadas ou não vão para frente.
Cármen Lúcia afirmou que Aras “não está fora de qualquer supervisão e controle” e determinou que ele informe as medidas que adotará em relação a uma solicitação do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para que Bolsonaro seja investigado pelas ameaças feitas no feriado da Independência.
A ministra disse que não é “imaginável supor” que exista uma autoridade que possa “conduzir sem sequer ser de conhecimento de órgãos de jurisdição o que se passa ou se passou em termos de investigação penal de uma pessoa”.
No caso de Alexandre de Moraes, os embates são ainda mais frequentes. O ministro é relator de inquéritos sensíveis em curso na corte que miram Bolsonaro e seus aliados e costuma adotar medidas duras nesses casos, muitas vezes a contragosto da PGR.
Apesar de, em tese, a Procuradoria ser a instituição responsável por determinar os rumos das apurações, a dissintonia com o órgão fez com que Moraes passasse a ignorar seus pareceres e a atender pedidos da Polícia Federal, que geralmente segue uma linha investigativa mais incisiva.
No episódio mais simbólico, o ministro driblou a Procuradoria para manter aberta uma investigação contra bolsonaristas.
Em junho, Aras solicitou ao Supremo o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos.
O ministro atendeu ao pedido, mas determinou outra investigação muito similar para apurar os casos em que o procurador-geral afirmara que deveria haver continuidade em primeira instância por não envolver autoridades com foro especial.
Na decisão, Moraes citou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), por exemplo, 12 vezes.
No embate mais recente, o ministro decretou a prisão do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos mesmo após manifestação da PGR no sentido contrário.
No caso da prisão de Roberto Jefferson, o gabinete de Moraes chegou a emitir uma nota à parte da decisão para explicar a situação.
O texto informava que o magistrado encaminhara à Procuradoria o pedido da PF para prender o político e que dera 24 horas para a PGR opinar a respeito. Depois de uma semana, o órgão não opinou sobre o caso e Moraes determinou então a prisão.
Aras respondeu na mesma moeda: divulgou uma nota oficial para afirmar que se manifestou no tempo oportuno. Além disso, enfatizou ser contrário à prisão e disse que não divulgaria detalhes do caso por se tratar de processo sigiloso.
Já Rosa Weber, considerada a ministra mais discreta do STF e que raramente se envolve em situações mais polêmicas, foi a responsável por fazer as críticas mais duras a Aras.
Logo após as revelações de que o deputado Luís Miranda (DEM-DF) teria informado a Bolsonaro a existência de irregularidades no contrato para compra da vacina indiana Covaxin, senadores de oposição pediram ao Supremo a instauração de investigação contra o chefe do Executivo.
A ministra solicitou parecer da PGR, que respondeu que seria necessário aguardar o fim da CPI da pandemia para decidir sobre eventual apuração por prevaricação contra o presidente.
A magistrada, então, rebateu Aras. Disse que ele não poderia assumir o papel de “espectador” e “desincumbir-se” de suas funções e mandou ele se manifestar novamente sobre o caso.
Rosa afirmou que não há previsão legal que determine à PGR que aguarde o fim de uma comissão para adotar as medidas necessárias e mandou um recado claro: “No desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.
Depois disso, em outubro, a magistrada voltou a criticar a atuação da Procuradoria.
Em decisão, ela comentou o parecer assinado pela subprocuradora-geral da República, Lindôra Araújo, uma das pessoas mais próximas de Aras, que colocou em xeque a eficácia do uso de máscara para evitar a disseminação do coronavírus.
A magistrada afirmou que “os eixos de sustentação do parecer ministerial” estavam “a revelar dubiedades” que mereciam maiores esclarecimentos. “Referida construção teórica, analisada contextualmente, gera alguma perplexidade”, afirmou.
Já o ministro Edson Fachin cobrou da Procuradoria a devolução de uma colaboração premiada ao STF que estava no órgão há cinco meses.
O ministro disse que era necessário respeitar o “valor constitucional da duração razoável do processo” e lembrou que as causas criminais têm prioridade de julgamento na corte.
Procurada, a PGR não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Fonte: Folha de São Paulo