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Após reviravolta, STF decide que Moro foi parcial contra Lula

O julgamento reforça a anulação das condenações do petista determinada no início de março individualmente pelo ministro relator da Lava Jato, Edson Fachin. As duas decisões permitem que o petista retome seus direitos políticos e dispute a eleição presidencial de outubro de 2022, a não ser que seja novamente condenado em segunda instância até lá.

Os processos agora terão que ser refeitos na Justiça Federal do Distrito Federal e as provas produzidas quando Moro era juiz dos casos dificilmente poderão ser reaproveitadas, já que sua conduta foi considerada suspeita.

A Segunda Turma chegou a formar maioria contra Lula, após o ministro Kassio Nunes Marques recusar o habeas corpus do petista.

No entanto, o voto decisivo foi da ministra Cármen Lúcia, que mudou a posição contrária ao recurso de Lula que havia adotado no final de 2018, quando o habeas corpus começou a ser julgado.

O resultado final do julgamento ficou em 3 a 2, com Gilmar Mendes e Lewandowski completando a maioria a favor de Lula. Além de Nunes Marques, Edson Fachin votou contra o recurso do petista.

O julgamento iniciado em dezembro de 2018 foi interrompido por um pedido de vista de Mendes, após Cármen Lúcia e Fachin terem rejeitado o habeas corpus. Com o passar do tempo, porém, a situação ficou mais desfavorável para Sergio Moro.

As acusações contra o ex-magistrado ganharam peso após o portal de notícias The Intercept Brasil revelar, em julho de 2019, diálogos privados entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato, em que o juiz adotava condutas ilegais em parceria com o Ministério Público Federal.

“Alguns dados novos foram sendo introduzidos para clarear alguns dados que não tinham, na minha compreensão, uma comprovação inicial”, disse a ministra em seu voto, sem citar diretamente a série de reportagens Vaza Jato.

Segundo a ministra, esses “dados novos” reforçaram o entendimento de que medidas adotadas pelo ex-juiz nos processos contra Lula não foram imparciais. Para Cármen Lúcia, Moro atuou ilegalmente ao autorizar a interceptação de telefones de advogados do ex-presidente e quando determinou a condução coercitiva do petista em 2016, sem primeiro intimá-lo a depor.

“Todo mundo tem direito a um julgamento justo, aí incluído o devido processo legal e aí incluído a imparcialidade do julgador”, afirmou também a ministra.

Edson Fachin, por sua vez, repreendeu conversas entre juiz e Ministério Público “fora dos parâmetros legais”. Apesar disso, ele manteve seu voto pela rejeição do habeas corpus, argumentando que sua decisão que anulou todos os processos contra Lula que tramitaram na 13a Vara de Curitiba automaticamente derrubou outros recursos do petista nesses casos.

Naquela decisão, ele considerou que os processos contra o petista não deveriam ter tramitado na Justiça do Paraná, já que os crimes investigados não haviam ocorrido naquele Estado nem eram relacionados apenas a desvios da Petrobras, foco inicial da Lava Jato.

Fachin mandou então que os processos fossem refeitos na Justiça do Distrito Federal, algo que há muito os advogados do petista pediam.

Impacto sobre outros processos da Lava Jato

Nesta terça-feira, a maioria da Segunda Turma decidiu ainda que o resultado do julgamento sobre suspeição de Moro afeta apenas Lula, não tendo impacto sobre outros casos da Lava Jato julgados pelo ex-juiz.

Edson Fachin, porém, disse que a configuração de “amizade” entre o ex-magistrado e o procurador Deltan Dallagnol pode levar à anulação de todos os processos julgados por Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba. Para isso ocorrer, porém, ele afirmou que é preciso uma análise mais aprofundada dos diálogos revelados pela Vaza Jato.

“Essa decisão poderá implicar a anulação de todos os processos julgados pelo ex-magistrado”, disse Fachin.

“Os fatos realmente são graves e, se forem verdadeiros mesmo, a solução pode ser, e quiçá deva ser, a nulidade. Mas não posso admitir que isso seja feito sem que as dúvidas sobre a integridade do material sejam examinadas, sem que a sua contextualização seja profundamente aferida”, argumentou.

Embate sobre diálogos da ‘Vaza Jato’

O uso dos diálogos da Vaza Jato para considerar Moro parcial foi alvo de grande controvérsia. Um dos argumentos de Nunes Marques para rejeitar o recurso de Lula é o fato de as conversas reveladas na série de reportagens Vaza Jato terem sido obtidas por hackers de forma ilegal.


No momento, as condenações contra Lula na Lava Jato estão anuladas

“Se fosse permitido o uso da prova ilícita, os litigantes poderiam exercitar toda forma de transgressão em busca de evidências que sustentassem suas alegações. De modo tal que o processo, em vez de um espaço de autoridade e pacificação, se transformaria num campo para competição tresloucada por provas a todo custo”, disse, ao votar.

“Seria uma grande ironia e um prenúncio de um looping infinito de ilegalidade aceitarmos provas ilícitas resultantes portanto de um crime para comprovar um suposto crime praticado para apurar outro crime. E aí registro eu: dois erros não fazem um acerto”, acrescentou.

Antes de passar a palavra para o voto de Cármen Lúcia, o ministro Gilmar Mendes, que preside a Segunda Turma, reagiu com irritação ao voto de Nunes e contestou seus argumentos.

Segundo ministro mais antigo da Corte, Mendes disse que há precedentes no STF que permitem o uso do habeas corpus para questionar a imparcialidade de Moro. Ele também disse que votou pela suspeição do ex-juiz por causa de sua conduta processual contra Lula, e não por causa dos diálogos da Vaza Jato, que não foram citados no recurso do petista.

Mendes citou, por exemplo, a interceptação de telefones de advogados do ex-presidente e a condução coercitiva do petista em 2016.

“Não importa o resultado desse julgamento. A desmoralização da Justiça já ocorreu. O tribunal de Curitiba é conhecido mundialmente hoje como um tribunal de exceção. Este nos envergonha”, disse ainda.

O ministro Lewandowski também reforçou que seu voto não foi baseado nas mensagens da Vaza Jato. Ele apontou condutas de Moro que considerou parciais, como o adiamento de um depoimento de Lula marcado para agosto de 2018 sob o argumento de que poderia ser explorado politicamente no período eleitoral, e a decisão de derrubar o sigilo da delação do ex-ministro da Economia Antônio Palocci a poucos dias da mesma eleição.

Os processos anulados contra Lula

A decisão que considerou Moro impacial foi concedia em um habeas corpus contra a condenação do petista no caso do Tríplex do Guarujá, o que torna esse processo nulo.

O julgamento desse recurso não atinge automaticamente outros processo contra Lula conduzidos por Moro, mas isso deve ocorrer após a defesa solicitar a ampliação da decisão.

De qualquer forma, todos os processos da Lava Jato que tramitaram em Curitiba já estão anulados no momento pela decisão de Fachin que remeteu os casos para a Justiça do Distrito Federal e terão que ser refeitos.

Isso inclui as condenações do petista nos casos Tríplex do Guarujá e Sítio de Atibaia e outros dois processos que ainda tramitavam na 13ª Vara de Curitiba — o que trata de doações ao Instituto Lula e o da sede do mesmo instituto.

Nos quatro casos, o ex-presidente é acusado de ter sido beneficiado por empreiteiras que teriam obtido vantagens em contratos com a Petrobras e outros órgãos públicos. O petista nega as acusações e diz que foi perseguido pela Lava Jato e Sergio Moro.

Entenda o recurso sobre suspeição de Moro

O recurso que pedia a suspeição de Moro foi apresentado pela defesa de Lula em 2018, mas o julgamento estava paralisado há pouco mais de dois anos por pedido de vista de Mendes.

Entre os argumentos para apontar a parcialidade do juiz, os advogados citavam a condução coercitiva do petista para depoimento em 2016, sem que ele tenha sido previamente intimado, como previa a lei brasileira.

“A condução coercitiva do paciente foi uma violência inominável e que, depois, o Supremo considerou flagrantemente inconstitucional, em boa hora também porque realmente nem animais para o matadouro se leva da forma como foi levado um ex-presidente da República”, criticou o ministro Lewandowski, ao votar pela suspeição do ex-juiz.

A defesa do petista apontou também como prova da parcialidade de Moro a autorização para grampear o telefone de Lula e de seus familiares e advogados, sem adotar antes outras medidas investigativas, além da decisão do ex-juiz de divulgar em 2016 as conversas grampeadas, inclusive um diálogo entre Lula e a então presidente Dilma Rousseff, medida que na época foi repreendida pelo STF.

Outro argumento é que o ingresso dele no governo Jair Bolsonaro teria evidenciado seu interesse político ao condenar Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso Triplex do Guarujá. Moro foi ministro da Justiça e da Segurança Pública até abril de 2020.

Moro, por sua vez, disse que condenou Lula baseado nas provas processuais em julho de 2017, quando Bolsonaro ainda não era considerado um candidato competitivo. Ele argumentou que, naquele momento, não tinha como prever a vitória do atual presidente, nem o convite para ser ministro. Além disso, afirmou que aceitou integrar o governo para fortalecer o combate à corrupção e ao crime organizado. (BBC News)

Redação

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