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Dilema da União Europeia: o que fazer com a extrema direita?

A Comissão Europeia – órgão executivo da UE – se prepara para uma queda de braço com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, líder do partido considerado de extrema direita Fidesz (“Aliança Cívica da Hungria”), conservador, nacionalista com traços de xenofobia, e tido como de tendências autoritárias.

Flávio Aguiar, analista político

Recentemente, o Parlamento Húngaro aprovou uma lei que proíbe qualquer menção a temas homossexuais e conexos para menores de 18 anos. Entre estes temas está também o de qualquer menção à possibilidade de troca de gênero. A lei, definida pelos seus defensores como de “proteção à juventude”, foi imediatamente condenada pela presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, como discriminatória de pessoas LGBTQIA+ e um atentado ao princípio dos direitos humanos, uma das pedras fundamentais da União Europeia.

A partir daí o confronto se desenhou com cores cada vez mais fortes. A Comissão agora ameaça o governo húngaro com um processo judicial nos tribunais internacionais do continente e com sanções financeiras, cortando verbas que o país recebe da UE. Orbán, que tem o apoio de outros conservadores e direitistas europeus, como o Partido do Direito e da Justiça da Polônia, logo rechaçou as acusações de Bruxelas como discriminatórias em relação ao seu país. Na semana passada anunciou a realização de um referendo sobre aquela lei, para auferir o grau de apoio popular a ela.

Ainda não definiu data para o referendo, mas apresentou algumas das perguntas que seriam feitas. O mínimo que se pode dizer é que a formulação de algumas delas parece escorregadia e capciosa. Alguns exemplos expressivos são: se os húngaros aceitam que nas escolas “se fale de sexualidade com seus filhos sem o seu consentimento”, ou se pode haver “apresentação para os menores de conteúdo na mídia de caráter sexual que afete o seu desenvolvimento”. São perguntas formuladas de modo muito genérico, o que pode ajudar a distorcer o resultado em favor do governo.

Comissão Europeia e UE colhem o que semearam

No fundo, a Comissão e outras autoridades da União Europeia estão colhendo o que ajudaram a semear, no passado, sobretudo por omissão.

Quando um partido considerado como radical de esquerda, o Syriza, liderado por Alexis Tsipras, assumiu o governo da Grécia, em 2015, e ameaçou romper com as políticas de austeridade financeira, hegemônicas na UE, a reação das lideranças europeias, com a chanceler Angela Merkel e seu então ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, à frente, foi imediata e contundente. Obrigaram Tsipras a recuar, terminando por favorecer o retorno dos conservadores ao poder em 2019, com o Partido da Nova Democracia, do agora primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis.

Já com a extrema direita o comportamento das principais lideranças europeias e da União foi quase sempre mais tolerante, embora não faltassem desavenças baseadas em acusações de que os radicais conservadores atentavam seguidamente contra a democracia, afrontando os princípios da independência dos três poderes republicanos, sobretudo o do Poder Judiciário, e a liberdade de expressão e de imprensa, como no caso da Polônia e também, mais uma vez, da Hungria. Também houve enfrentamentos no campo dos direitos humanos, como no caso do tratamento a ser dado para imigrantes e refugiados.

Esta “omissão tolerante”, digamos assim, só deu estímulos para que os conservadores mais radicais procurassem ampliar seu espaço e reafirmar seus princípios criticados como antidemocráticos, como no caso de Orbán.

Frente de extrema direita no Parlamento Europeu

No começo de julho, vários líderes da extrema direita, liderados pela francesa Marine Le Pen, lançaram um documento comum anunciando a intenção de criarem uma frente comum no Parlamento Europeu. Entre os outros signatários estavam Orbán, Matteo Salvini, secretário-geral da Liga italiana (ex-Liga Norte), Georgia Meloni, do Fratelli d’Italia (considerado neofascista), Jaroslaw Kaczinsky, do Direito e Justiça da Polônia, Santiago Abascal, do Vox espanhol, entre outros.

Na mídia europeia, em grande parte, paira uma tendência de minimizar o poder de fogo da extrema direita. Muitos comentários logo apontaram a ausência de apoio e assinaturas de alguns pesos-pesados, como o Alternative für Deutschland, da Alemanha. A sigla estaria preocupada com sua imagem para as eleições de setembro em seu país. Os analistas também ressaltaram a dificuldade de união da extrema direita europeia em relação a alguns temas. Por exemplo: Le Pen e Salvini favorecem uma maior aproximação com o líder russo Vladimir Putin, o que é rejeitado pelos partidos de extremistas dos países escandinavos e do Báltico.

Entretanto não se pode subestimar a importância do documento comum que, além de fortalecer Orbán em sua disputa com a Comissão Europeia e outras lideranças liberais do continente, fortalece também Le Pen, no momento a principal desafiante do presidente Emanuel Macron nas eleições francesas do ano que vem.

Jogo do Poder

Fonte: RFI

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